A cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno, que acontece entre 9 e 25 de fevereiro, na cidade sul-coreana de PyeongChang, produzirá uma imagem inesperada para a geopolítica mundial: as delegações das Coreias do Norte e do Sul entrarão juntas no desfile e carregarão a mesma bandeira. Não será a primeira vez que os países estarão lado a lado num evento esportivo, pois eles fizeram o mesmo nas Olimpíadas de Sidney, em 2000, e de Atenas, em 2004. Agora, porém, a aproximação tem contornos especiais. Com o acirramento das ameaças bélicas do ditador norte-coreano Kim Jong-Un, as Coreias ficaram mais de dois anos com a comunicação interrompida. O esporte reaproximou os países vizinhos e o ministro sul-coreano da unificação, Cho Myoung-Gyon, e o chefe da delegação norte-coreana, Ri Son-Gwon, apertaram as mãos e comprometeram-se com a reaproximação. “Venho com a esperança de que as duas Coreias mantenham as conversas com uma atitude sincera e fiel”, disse Son-Gwon, em seu discurso.

Especialistas em relações internacionais afirmam que a estratégia de Kim Jong-Un é se aproveitar da política protecionista de Donald Trump, que enfraqueceu o elo entre os EUA e a Coreia do Sul. O líder da Coreia do Sul, Moon Jae-in, se vê mais exposto a um possível conflito com o Norte. No ano passado, a tensão entre as Coreias aumentou com a pressão americana para que China e Rússia, principais parceiros comerciais do Norte, apoiassem uma nova resolução do Conselho de Segurança da ONU, que impunha sanções mais duras ao país e o deixava isolado do comércio global. Desde então, a China proibiu todas as importações de carvão e está restringindo o fluxo de petróleo para os norte-coreanos. “Kim Jong-Un percebe que a escalada de tensão potencializa a possibilidade de um conflito”, diz Alexandre Uehara, pesquisador de Ásia na USP. “A Coreia do Norte tem potencial para causar danos, mas Kim sabe que não conseguiria vencer uma guerra contra os Estados Unidos.”

Aceno diplomático: o norte-coreano Kim Jong-Un (à esq.) e o sul-coreano Moon Jae-In devem se encontrar após a olimpíada de inverno (Crédito:Divulgação)

A economia das Coreias é muito distinta. Enquanto a do Sul é altamente desenvolvida, com um Produto Interno Bruto (PIB) de quase US$ 2 trilhões, a do Norte é um mistério. A agência de inteligência americana CIA estima que o PIB norte-coreano seja de apenas US$ 40 bilhões, similar ao de Honduras. Isso daria um PIB per capita de US$ 1,8 mil, uma fração dos US$ 39,3 mil dos sul-coreanos. No entanto, Kim Jong-Un conta com um exército capaz de arrasar a capital Seul em 45 segundos. Se as ameaças se transformassem em guerra, o PIB mundial sofreria uma queda de 1,6%, segundo análise da consultoria britânica Capital Economics. A reconstrução da Coreia do Sul também seria uma das mais caras da história, com custo estimado de US$ 5,4 trilhões. Recentemente, após Trump e o ditador norte-coreano trocarem ameaças de disparar mísseis nucleares, a CIA declarou que Kim Jong-Un é uma pessoa racional.

A afirmação surpreendeu Washington e ligou o alerta sobre Trump. “O risco de um movimento mal interpretado com duas pessoas intempestivas no poder é alto”, diz Roberto Dumas, professor de economia internacional do Insper. Se a palavra parecia fora de contexto diante das inconstâncias de Jong-Un, a aproximação com os vizinhos do sul mostrou a racionalidade do ditador. Além de entrarem juntos, os coreanos atuarão como uma equipe em uma modalidade, algo inédito desde 1953. O time feminino de hóquei no gelo será formado por atletas dos dois países, algo que o Comitê Olímpico Internacional não deve vetar. Estratégica ou não, a reaproximação mostra que Kim Jong-Un sabe jogar.