Após o choque inicial, começaram os clamores por um “novo normal”. E passamos a ver autoridades, dirigentes de empresas e consultores a invocar a necessidade de redefinirmos o mundo que queremos depois desta crise planetária.

Passados 70 dias de isolamento, tenho me questionado como pode o mundo ter sido surpreendido com uma pandemia dessa dimensão. Como os países mais ricos não se prepararam para um evento dessa magnitude? Como podem os sistemas de saúde mundiais serem totalmente ineficazes para atender a população enferma? Tudo isto numa era de big data, da Inteligência Artificial, da robótica, da biogenética, e da nanotecnologia. Interrogo-me se as empresas não poderiam ter uma atuação mais proativa e diligente, com seus investimentos sociais, para prevenir esse cenário. Só em São Paulo, o governador João Dória arrecadou mais de meio bilhão de reais em doações privadas, das quais a EDP fez parte. Fica a pergunta: se esses recursos existiam, não poderiam ter sido usados em projetos estruturantes de saúde pública que nos preparassem para enfrentar a pandemia?

Meu olhar recai inevitavelmente sobre a “sustentabilidade”, que, segundo uma de muitas definições, “é a busca pelo equilíbrio entre o suprimento das necessidades humanas e a preservação dos recursos naturais, não comprometendo as próximas gerações”. Hoje, vemos que há uma lacuna fundamental nesse conceito, que incentiva políticas de perenidade econômica, de preservação do meio ambiente, de bom relacionamento com a sociedade e até uma perspectiva intergeracional, mas não carrega um foco explícito na preservação da vida humana. Falta-lhe a visão sistêmica necessária para encarar desafios de escala global. E esta, em particular, é uma crise que se revelará, a seu tempo, um fenômeno correlato das mudanças climáticas. David Wallace-Wells, no best-seller A Terra Inabitável, discorre sobre as “pragas do aquecimento”, estimando que o planeta deve abrigar mais de 1 milhão de vírus que o homem ainda desconhece.

Nas empresas, a sustentabilidade costuma se inserir no campo do marketing ou como extensão de uma área de meio ambiente. Não é comum ser uma área autônoma, forte, com participação diária na tomada de decisão. Pior: suas políticas são vistas como recomendações de boas práticas, não como imperativos. No entanto, a pandemia mostrou-nos que a sustentabilidade é sim uma questão “de vida ou de morte”. Por isso, é preciso fazer evoluir o conceito de sustentabilidade para o de uma nova ética da vida na Terra.

A ética, contrariamente à sustentabilidade, tornou-se um tema estratégico, que mobiliza os Conselhos de Administração e as lideranças das empresas, com a criação de diretorias, programas de compliance e códigos de conduta. Da ética emanam imperativos que as companhias cumprem rigorosamente. E este é o momento para escolhermos um novo modelo de vida na Terra para a era pós-Covid, com os princípios e valores que nortearão nossa vivência futura.

Miguel Setas é presidente da EDP no Brasil