Em 2018, a gigante brasileira de bebidas Ambev enfrentava uma situação nada animadora. Naquele ano, a companhia que se habituara a crescer de forma contínua sofreu um baque ao perder cerca de 28% em valor de mercado, caindo de R$ 334 bilhões em 2017 para R$ 241 bilhões. A justificativa para o encolhimento dos números era a economia em marcha lenta, o reajuste de preços e a mudança nos hábitos de consumo de cerveja, seu principal produto. Um ano depois, o balanço da empresa apresenta margens robustas que indicam que a má fase pode ter sido passageira.

Na última semana, a subsidiária latino-americana da Anheuser Busch InBev reportou lucro líquido de R$ 2,6 bilhões entre abril e junho, alta de 8,5% em relação ao segundo semestre do ano passado. A receita líquida da empresa também não deixou a desejar e ficou em R$ 12,1 bilhões, um crescimento de 5,5%. A notícia animou o mercado e as ações da empresa subiram 8,52% naquele dia, a terceira maior alta nos papéis da Ambev desde novembro de 2008, quando os ativos saltaram 11,79%. Em valor de mercado, a empresa ganhou R$ 40 bilhões em apenas três dias.

De volta ao lucro: Jorge Paulo Lemann, da 3G, que controla a Ambev: valor de mercado da empresa cresceu R$ 40 bilhões em apenas três após divulgação do balanço

“Os resultados são consequência da nossa estratégia de fortalecer e diversificar o portfólio”, diz Fernando Tennenbaum, vice-presidente financeiro e de relações com investidores da Ambev. “Percebemos nos mercados mais desenvolvidos que, para conseguir uma boa performance nesse nicho, é necessário trabalhar com diversas marcas para momentos diferentes.”

Já faz alguns anos que a empresa investe no processo de “gourmetização” de suas cervejas. Um dos primeiros ovimentos foi a compra da cervejaria artesanal Colorado, em 2015. Recentemente, a Skol também ganhou novos membros na família com o lançamento de Skol Hops e Skol Puro Malte, versões com mais malte e lúpulo nas suas fórmulas. A estratégia visa combater a imagem de que as cervejas tradicionais da empresa têm baixa qualidade e utilizam cereais não maltados, como milho ou arroz. Além disso, a companhia investiu em marcas regionais, como a Nossa (Pernambuco), Magnífica (Maranhão) e Legítima (Ceará).

Fernando Tennenbaum, vice-Presidente de finanças e RI da Ambev: “Para conseguir uma boa performance nesse nicho é necessário trabalhar com diversas marcas” (Crédito:Divulgação)

As três levam mandioca na fórmula. O novo mix de produtos ajudou a companhia a aumentar participação nessas regiões, onde o seu market share é tradicionalmente menor. “O maior destaque é o crescimento do mercado nordestino, algo que não aparecia nos relatórios anteriores”, diz Laís Soares, economista e analista do setor de alimentos e bebidas da Lafis Consultoria. “Isso mostra que, ao perceber que o setor está cada vez mais competitivo, houve uma adaptação da empresa para entender o consumidor e criar inovações.” Segundo a analista, a entrada das marcas regionais deve favorecer o consumo dos clientes das classes C, D e E, que estavam mais cautelosos por conta da crise. Por outro lado, as classes A e B, dispostas a pagar mais caro por uma cerveja de qualidade superior, devem ganhar espaço nos próximos balanços com
o investimento nos rótulos premium.

O segredo por trás dos números encorpados está na controladora dos negócios, a 3G Capital, fundo de investimentos do trio brasileiro Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira. A trajetória de sucesso da gestora é marcada pela aquisição de grandes empresas de bens de consumo, rigorosos cortes de custos e agressivo volume de produção.

Marcas locais: para atender as regiões Norte e Nordeste, a empresa lançou três rótulos especiais para os estados do Ceará, Pernambuco e Maranhão (Crédito:Divulgação)

Recentemente, o estilo 3G tem sido colocado em xeque após o baixo desempenho apresentado por algumas empresas do grupo, como a Kraft Heinz, que teve prejuízo de US$ 12,6 bilhões em 2018. As novas iniciativas da fabricante de cervejas mostram, no entanto, que mudanças são necessárias. “As ações da 3G funcionam muito bem, mas isso não quer dizer que também não precisam de ajustes em alguns momentos”, afirma Alexandre Van Beeck, sócio-diretor da GS&Consult. “É preciso rever algumas ideias para responder mais rápido ao mercado que tem perfis diferentes de consumo em todo o País.”

“PROCESSO DE EFICIÊNCIA” Tennenbaum, da Ambev, rebate e diz que a receita de “orçamento base zero”, nome que se dá ao modelo de gerenciamento da 3G Capital, não está associada a uma cultura de corte de custos. “Eu vejo como um processo de eficiência para criar valor e fazer investimentos nos lugares que fazem a diferença para o negócio e o consumidor”, complementa. Ele cita como exemplo as novas embalagens da Stella Artois, com novas latas e garrafas para compartilhar, e a versão lata da Original. Em teleconferência para analistas e investidores, o presidente da empresa, Bernardo Paiva, afirmou que os novos formatos devem resultar em volume de vendas já no segundo semestre deste ano.

Esse otimismo, porém, não é acompanhado pelo setor cervejeiro, cujas vendas caíram 8,5% entre 2013 e 2018, segundo dados da consultoria Euromonitor. Apesar de o volume de cerveja vendido pela Ambev ter crescido 2,9% no segundo trimestre, a questão é saber se essa tendência será mantida no longo prazo. “Claramente, as estratégias estão ajudando a impulsionar o segmento premium, mas os benefícios sobre a rentabilidade ainda não estão claros, já que o custo dessa oferta também é muito maior”, diz Thiago Duarte em relatório do BTG Pactual.