A sombra de uma nova guerra entre as Coreias paira sobre a Ásia há mais de 60 anos. Nas duas últimas semanas, o medo de um conflito aumentou. A atuação controversa de dois líderes, o presidente americano Donald Trump e o líder supremo norte-coreano Kim Jong-un, alimenta o receio de se chegar a um ponto sem volta. O auge das tensões se deu no dia 9 de abril, quando o Pentágono, o comando militar dos Estados Unidos, anunciou que o porta-aviões nuclear Carl Vinson estava navegando em direção à Coreia do Norte – o que, posteriormente, não se confirmou.

Trump dizia ter perdido a paciência diante de evidências de que Jong-un conduziria mais um teste com um míssil de longo alcance, capaz de atingir a Costa Oeste do país. O teste, de fato, aconteceu, mas o projétil explodiu logo após ser lançado. Ainda tentando entender os motivos de um ataque americano à Síria, dias antes, o mundo se perguntava: a Casa Branca teria coragem para, unilateralmente, investir militarmente contra o obscuro regime de Pyongyang? A pergunta segue sem resposta. Mas o fato é que há muito mais coisas em jogo nesse entrevero, que extrapola o destino dos pouco mais de 25 milhões de habitantes da nação mais fechada do planeta.

Se as tensões se traduzirem em um confronto, as consequências para a economia seriam devastadoras e as perdas humanas, incalculáveis. A imprevisibilidade de Trump e o obscurantismo de Jong-un tornam a análise desse cenário uma tarefa hercúlea. Pouco se sabe sobre as mazelas da sociedade norte-coreana, tampouco a respeito dos reais planos do mandatário americano. Sabe-se, no entanto, que essa região desempenha um papel primário no comércio global. “A Ásia é o centro do mundo”, afirma Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas. “A China é a maior parceira comercial de mais de 100 países, incluindo o Brasil.”

O PIB asiático ultrapassa os US$ 21 trilhões. Boa parte de tudo o que é produzido no mundo, de commodities a eletrônicos, passa por ali. Movimentos em falso deixam diversos atores em posição de alerta, como EUA, China, Coreia do Sul e Japão. Para Stuenkel, que esteve na Coreia do Norte em 2013, o ponto nevrálgico dessa disputa é a liderança político-econômica da região. A China, único país a manter relações comerciais com Pyongyang, encara a divisão das Coreias como uma segurança para seus planos de dominar a Ásia. “É muito claro que uma reunificação coreana teria o mesmo desfecho da reunificação alemã, com o lado capitalista prevalecendo”, diz o professor.

Unificada, a Coreia teria condições de rivalizar economicamente com o Japão, enfraquecendo o poder chinês. Um cenário como esse seria de interesse dos americanos, aliados de japoneses e sul-coreanos. A questão é até que ponto a China está disposta a defender o atual estado de forças, diante de um Kim Jong-un cada vez mais ousado em seus delírios belicosos. Ao longo da semana, o governo de Pequim tentou aliviar as tensões. “Se a guerra eclodir, múltiplas partes irão perder e ninguém irá ganhar”, afirmou Wang Yi, ministro das Relações Exteriores chinês.

DIN1015-guerra3Segundo Salvatore Babone, pesquisador da Universidade de Sydney, na Austrália, se a primeira coisa que a China não quer é uma Coreia unificada, a segunda é uma nova guerra entre os dois países. “O noroeste do país já está cheio de refugiados norte-coreanos”, afirmou Babone, à rede de tevê Aljazeera. Dado o poderio militar de Kim Jong-un (veja quadro ao lado), uma guerra seria extremamente sangrenta, mesmo sem envolver armas nucleares. A parceria militar entre Pequim e Pyongyang vem de séculos. A primeira vez que os chineses defenderam os aliados foi em 1592, contra invasões japonesas.

Em 1950, durante a Guerra da Coreia, foi a intervenção da China que empurrou as tropas do general americano Douglas MacArthur para o Sul, determinando a fronteira atual. Seria natural, portanto, a parceria se repetir. Mas, há sinais contraditórios. Em fevereiro, os chineses deixaram de importar carvão da Coreia do Norte e, na semana passada, suspenderam os voos entre Pequim e Pyongyang. Talvez a paciência tenha acabado. Mesmo assim, é difícil imaginar um processo pacífico de reunificação. “A Coreia do Norte é como uma seita”, diz Stuenkel. “Sua população está isolada do mundo.”

Os laços entre sul e norte-coreanos são cada vez mais raros. Enquanto isso, ao Sul, a vida segue normalmente. Procuradas, diversas empresas coreanas e japonesas, como Samsung, LG, Hyundai, Honda e Toyota, não informaram se estão colocando em prática planos de contingência. Na terça-feira 18, foi informado que a frota americana, na verdade, acabou se dirigindo ao Oceano Índico, onde participou de exercícios com a marinha australiana. É provável que Trump tenha usado o episódio para ter alguma vantagem em negociações com a China. Para o bem da humanidade, é muito importante que as decisões precipitadas sejam evitadas a todo custo.