Inflação em 12,1%. Taxa de juros a 12,75%. PIB de 1%. Desemprego, mesmo tendo recuado, permanece acima de 10,5%. Nenhum número parecia tirar o sono de Jair Bolsonaro. Até que um gigantesco 21 tomou posse da alma presidencial e virou seu pesadelo. É a distância em pontos que o separa de Lula, de acordo com a mais recente pesquisa Datafolha. Enquanto o capitão patina em 27%, correndo forte risco de se tornar o primeiro ocupante do cargo a não ser reeleito, Lula chegou a 48% das intenções, cenário que o elege em primeiro turno, considerando o porcentual de pessoas que afirmam votar em branco ou anular. A divulgação, na quinta-feira (26), levou ao cancelamento, sem explicações, da live semanal de Bolsonaro com seus apoiadores. E na sexta-feira começou um verdadeiro Deus-nos-acuda na Esplanada dos Ministérios e no Palácio da Alvorada.

De um lado, o ministro da Economia Paulo Guedes reunia seu time mais próximo para desenvolver propostas que pudessem melhorar a sensação de bem-estar social da população para alavancar a popularidade de Bolsonaro, mas sem estragar ainda mais as contas públicas. Do outro lado, encabeçado pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, o discurso de que a culpa é de Guedes voltou a ganhar força. Os aliados do presidente que são conectados ao centrão e com bom trânsito no Congresso Nacional (os mesmos que irão agilizar a liberação de verbas sem qualquer controle) entenderam que os resultados ruins nas pesquisas se devem ao fato de o ministro da Economia não ceder em assuntos que eles consideram sensíveis para a população, como o subsídio da gasolina ou um aumento maior para os servidores públicos. A mais recente ideia da ala política é um decreto de calamidade para fazer brotar dinheiro e subsidiar a gasolina.

Atender ao desejo de reeleição de Bolsonaro e dos políticos da velha guarda que o apoiam é algo impossível para qualquer ministro da Economia. Mais que isso, tentar conciliar esses interesses com uma agenda liberal é estupidez. Ausência de discernimento. A frase “É a economia, estúpido!”, se tornou um clássico desde que foi proferida por James Carville, estrategista da campanha que elegeu Bill Clinton em 1992. Naquele contexto, significava que a eleição seria definida pela economia. Como no Brasil de hoje. Com a diferença de que o País passou a vivenciar a estupidez em toda sua potência. O prometido choque liberal que angariou os votos de 57 milhões jamais foi adotado. Porque nunca foi uma crença real de Bolsonaro. Em suma, é o próprio presidente quem mais sabota sua reeleição.

A agenda que prometia reformas estruturantes, privatizações, relações políticas longe do toma-lá-dá-cá e um Estado menos perdulário e mais bem gerido foi implodida desde 1o de janeiro de 2019. Pelo mais óbvio dos motivos: Bolsonaro, que sempre foi um funcionário público menor, como militar ou parlamentar, e nunca soube o que era atuar no mundo produtivo real, é o exemplo mais avesso a um liberal que o Brasil já produziu. Ao não defender o que seu time econômico havia prometido na campanha, cometeu crime eleitoral. Mas o pior viria com a pandemia. Incapaz de pensar como liberal, boicotou como pôde o combate à crise sanitária. O preço veio da pior forma: em mortes, que ultrapassam 666 mil. E na economia, que nos faz derreter como país.

SENTINDO NO ESTÔMAGO Escalada dos preços tem impactado diretamente o valor de itens básicos como o pãozinho, que subiu 27% desde o início do ano. Outros alimentos tiveram altas ainda maiores no período (Crédito:Gabriel Cabral)

Nessa fotografia, tornou-se marionete do deputado Arthur Lira no comando do dinheiro público. Como, quase sem exceções, político brasileiro não sabe gerir orçamento, o descontrole fiscal provocou uma inflação que castiga, em especial, os mais pobres. Por esse motivo Bolsonaro é incapaz de colher os poucos frutos de seu governo, como a redução porcentual do desemprego, ou a extensão do antigo Bolsa Família. Como agir sob pressão não é também sua maior qualidade, a cada pesquisa eleitoral ele se apropria de uma retórica vez mais violenta, irracional e estúpida.

Porque não foi apenas a do Datafolha. Numa sequência de seis dias saíram ainda os levantamentos de XP/Ipespe, BTG/FSB e Paraná Pesquisa. Todos apontam uma tendência de aumento da distância entre Lula e Bolsonaro nas intenções de voto. Ainda que a diferença entre os dois candidatos apresente uma variação grande — dos 21 pontos do Datafolha (divulgada em 26 de maio) aos 5,7 pontos no Paraná Pesquisas (1o de junho)—, a linha que tem incomodado o atual chefe do Executivo federal é a que revela que a aceitação de Lula está em curva ascendente nos quatro levantamentos divulgados.

Bolsonaro até poderia tentar escapar dessa autoarmadilha, mas para isso precisaria que a ala econômica e a ala política de sua gestão se entendessem. E com a polarização dessas duas forças dentro do governo, todas as subforças começaram a buscar um lado. Os religiosos correram para Ciro Nogueira, assim como os representantes do agronegócio e os do Ministério do Meio Ambiente. Para o lado do Posto Ipiranga sobraram poucos aliados, mas de grande peso. O principal, nesse momento, é Adolfo Sachsida, recém-empossado ministro de Minas e Energia. Pupilo de Guedes, ele é um entusiasta do discurso de privatizações.

QUEDA DE BRAÇO Com essa divisão escancarada, começaram a brotar na mesa do presidente as soluções para a crise de popularidade. Na ala política, todas as respostas estão em abrir a torneira do dinheiro, mesmo que isso signifique derrubar de vez o teto de gastos. Os mais moderados falam em usar os royalties da Petrobras para subsidiar os combustíveis. Os mais radicais defendem uma postura agressiva: a canetada nos preços. Não é de hoje que alguns aliados têm soprado no ouvido presidencial que ele pode, simplesmente, tabelar o que quiser. A decisão, que é desastrosa para a economia, parece possível no contexto deste governo e não está 100% descartada. Mais um sinal de que a estupidez não tem limites. Pelo menos não em Brasília. Um dos assessores do presidente, inclusive, disse já ter participado de conversas a respeito, mas Bolsonaro ainda preferia buscar alternativas. Entre os apoiadores do controle de preços estariam os influentes filhos do presidente, com o indefectível respaldo de lideranças de partidos que se dizem de direita e liberais, como PL, PSL e PP.

Inflação galopante tem afetado diretamente os ânimos do governo. De um lado, Paulo Guedes e Adolfo Sachsida, em defesa da agenda liberal. Do outro, políticos que integram o centrão e defendem medidas populistas

O plano até já estaria pronto. Seria preciso uma aprovação de calamidade pública no Congresso, ou achar uma brecha legal para dar uma canetada que segurasse os preços de combustíveis, energia e alimentos. A judicialização da medida (e sua potencial derrubada, inclusive) viraria a arma de que o presidente precisa para culpar o Supremo Tribunal Federal (STF) e ecoar um discurso populista de “defesa do povo” que pode alavancar sua popularidade. Isso também colocaria os partidos da esquerda, como o PT, em uma dificuldade narrativa para explicar ao eleitorado os motivos de desaprovar uma redução artificial nos preços que “beneficiaria” a população, independentemente dos problemas advindos da medida.

A VOZ DO MERCADO Para não sair do papel de mito para o de mico — e se tornar o primeiro presidente a não se reeleger desde a redemocratização —, no fim de semana, fora da agenda, Bolsonaro mandou juntar o time de Guedes para uma conversa. Aliados do ministro disseram que o encontro teve como objetivo traçar um plano de virada. Um dos tópicos foi o esgotamento dos discursos de que “a economia a gente vê depois”, crítica usada à exaustão pelo presidente e por aliados e direcionada aos governadores que fecharam suas economias durante a pandemia. Essa tentativa de jogar a inflação no colo do mundo também parece não estar agradando tanto o eleitorado. Segundo o Datafolha, 31% dos eleitores podem mudar de voto se a inflação seguir em alta. Sete em cada dez dizem que Bolsonaro tem alguma culpa na questão da disparada dos preços e seis entendem que o governo federal é ao menos parcialmente culpado pelo valor dos combustíveis na bomba.

Ao ser cobrado pelo presidente, Guedes leu a mesma cartilha dos últimos meses: mudar a legislação para poder jogar para fora do teto de gastos os recursos provenientes de concessões, e assim conseguir subsidiar o combustível para um pequeno contingente populacional, ainda que por um curto período. Caso ceda a essas pressões, Guedes coloca em risco sua já desgastada relação com os agentes financeiros. Entre economistas de diferentes espectros políticos, a opinião é que qualquer subsídio desastrado ou controle de preço seria a pá de cal no projeto de país vendido na campanha de 2018. Maílson da Nóbrega, ministro da Fazenda entre 1987 e 1990, é um deles. “A agenda liberal deste governo está morta”, disse. Ele não está sozinho. Outros 20 economistas que foram ministros da Fazenda ou presidentes do Banco Central desde a redemocratização têm subido o tom contra a política econômica do governo Bolsonaro.

Entre os tributaristas, a política de Guedes também tem deixado a desejar. Bernard Appy, economista e autor de uma das propostas de reforma tributária a tramitar no Senado, disse que o governo tem procurado saídas erradas para composição de subsídios e escolhido mal as soluções para problemas de natureza fiscal e monetária. Até gente da velha guarda, que sabe bem como a engrenagem funciona, já enxerga o desastre. O ex-ministro Delfim Netto afirmou o que todos já perceberam: “O PIB vai andar de lado”. E completou com o que todos fora do círculo do presidente veem: “O governo erra demais e não tem capacidade alguma de reação”.

Bolsonaro reuniu a equipe econômica e deu uma ordem: buscar alternativas para alavancar sua popularidade. Ministro defende liberar subsídio

Para Ricardo Cruz, cientista político e um dos assessores de Lula na campanha vitoriosa de 2002, há um cenário semelhante ao que o petista enfrentou na disputa daquele ano: “O tema central será economia”, disse. O que significa que a estratégia de Bolsonaro na campanha de 2018, de forçar o debate para o lado dos costumes (com expressões como kit-gay e escola sem partido), terá baixa capacidade de extrapolar a bolha de seu eleitorado já consolidado. O discurso de “mudar tudo que está aí”, além da promessa de uma profunda renovação política, também deixou de ser um artifício viável neste momento para a campanha do presidente.

Com o desespero de não ter obtido resultados que fortaleçam sua permanência no governo e dono de uma profunda incapacidade de entender a realidade, só sobra para o presidente Bolsonaro seguir uma cartilha apresentada com bastante maestria pelo psicanalista Mauro Mendes Dias, autor de O Discurso da Estupidez. Segundo ele, a jornada de um estúpido é como tapar os ouvidos, acelerar um carro em direção às rochas e torcer para que elas não provoquem a morte dos passageiros. Isso porque, segundo o escritor, “a estupidez não precisa de teste, verificação ou fundamento”. Assim como Bolsonaro.

O CARMA CHAMADO PETROBRAS

Wagner Meier

Todo mundo que é antenado nas leis do universo sabe que o tal de carma é uma das mais impiedosas e cruéis. Ele determina que as coisas que você joga para o mundo voltam para você. E, veja só, aquele Jair Bolsonaro da campanha eleitoral de 2018, que ao lado de Paulo Guedes (que recebeu o apelido peculiar de Posto Ipiranga) bradava que a privatização da Petrobras seria prioridade em seu governo, fechará o quarto ano de mandato não apenas sem vender a estatal que desmerecia, mas com ela tendo papel fundamental em seu plano de reeleição.

E já sentindo que esse carma vai bater com força, a estratégia de Bolsonaro é tratar a estatal como trata seus nêmeses, e dobrar a aposta. Com críticas duras, palavras de baixo calão e afirmações feitas para arrancar aplausos (mas sem capacidade nenhuma de mudança estrutural), ele chegou a chamar recentemente o lucro da Petrobras de estupro. Também tem ameaçado fatiar e vender essa que seria a “maior dor de cabeça de governo”. E talvez ele não esteja tão errado. O preço do combustível disparou – e com ele todos os produtos que dependem de uma rodovia ou um avião para chegar a algum lugar.

Há risco de faltar diesel no mercado. Poderia até causar aquela tensão pré-paralisação de caminhoneiros. Curiosamente, a engajadíssima categoria que travou o País perto das eleições de 2018 anda quietinha, num claro sinal de que o que aconteceu há quatro anos estava mais para locaute mesmo.

A Petrobras segue com a liderança paralisada, à espera de um novo nome para a presidência. Como o Conselho da estatal parece não gostar muito de Bolsonaro, tenta fritar suas ideias em fogo baixo. Tudo isso sem contar que toda vez que Bolsonaro fala em tabelar preço, a mão invisível do mercado faz um gesto não muito amigável com os dedos. Pode parecer deselegância, mas chame de sensatez. Todo mundo diz que a solução é um vale-combustível e não tabelamentos artificiais.

Agora, como se não bastasse, os próprios aliados do presidente querem condicionar uma solução para a Petrobras e seus preços altos à manutenção do apoio no pleito – ninguém quer ter como cabo eleitoral um presidente que fez a gasolina passar de R$ 8 o litro. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é um deles, e pressiona o governo federal a criar um subsídio temporário sobre os combustíveis.

Até aqui cheio de bravata, o presidente tem optado pelas frases de efeito. “A Petrobras tira dinheiro do povo” e “a culpa não é minha, o que eu posso fazer?” têm sido as mais usadas recentemente. Mas, agora, voltemos à lei do carma. O presidente poderia olhar para a história. Nem precisa ser tão para trás, para Getulio Vargas, que criou a estatal. Bastaria olhar para Dilma Rousseff, que fez como Bolsonaro e tentou colocar cabresto na política de preços da Petrobras. Deu no que deu.