Uma das maiores companhias de alimentos do mundo, a BRF está voando. No último trimestre, a companhia registrou receita líquida de R$ 9,94 bilhões, alta de 17,54% sobre o mesmo período do ano passado, quando a empresa faturou R$ 8,45 bilhões. Do total do trimestre, a unidade brasileira da companhia responde por R$ 5,29 bilhões (o equivalente a 62,6%) e, no período, obteve crescimento maior que a média geral, com 20,8%, provocado, principalmente, pelo aumento no consumo de alimentos em casa a partir da necessidade do isolamento social no País, por causa da pandemia da Covid-19. “Mesmo com queda na renda, o consumo de alimentos vai seguir crescendo. Tomamos decisão com base em estudo na tendência de mercado, ao longo dos anos. É isso que vai definir o futuro e sucesso da empresa”, disse à DINHEIRO o CEO da BRF, Lorival Luz. O resultado é ainda mais significativo quando comparado com resultado de pesquisa da Associação Brasileira de Alimentos (Abia), que, entre janeiro e setembro deste ano, registrou crescimento real de 2,1% no volume produzido, em comparação ao mesmo período de 2019.

E a meta de crescimento da dona das marcas Perdigão e Sadia daqui para a frente já está traçada. Na terça-feira (8), a BRF lançou um programa chamado Visão 2030, que pretende triplicar a receita na próxima década – em 2019 atingiu R$ 33,4 bilhões. O objetivo é chegar a R$ 100 bilhões em 2030. Deverão ser investidos R$ 55 bilhões, de recursos próprios, em ações para ampliar mercados, novos negócios, tecnologia e iniciativas de sustentabilidade.

Outra mudança importante que está no planejamento da companhia de alimentos é aumentar a presença de mercado em produtos prontos, com mais valor agregado. Hoje, metade da receita vem desse segmento e o objetivo é chegar a 70%. “A busca por praticidade com sabor vai aumentar. Por isso que a demanda por pratos prontos e semiprontos irá crescer. As pessoas vão estar mais em casa e com menos tempo para cozinhar”, disse o CEO da BRF.

MAIOR FATIA Metade da receita da BRF vem de pratos prontos, como pizzas e lasanhas. Objetivo é que volume de produtos com mais valor agregado alcance 70% do faturamento. (Crédito:Divulgação)

Se isso explica o futuro, a desaceleração no passado mundo afora tem muito mais a ver com a quarentena. A pandemia da Covid-19 e a necessidade do isolamento social em boa parte do mundo foram, na avaliação do executivo, algumas das razões do crescimento um pouco menor da receita da companhia no exterior, que teve alta de 13,5%. Um dos exemplos citados pelo executivo foi o adiamento da Olimpíada de Tóquio, que seria em julho deste ano, para 2021. “O Japão estava com grande estoque de frango. Mas, sem os jogos, o consumo despencou. Por isso, quase que literalmente precisaram parar de comprar para diminuir a quantidade”, afirmou Luz. “Os Emirados Árabes têm população flutuante muito grande e as pessoas voltaram aos seus países de origem. O turismo de lazer e de negócios praticamente sumiu.” E se o crescimento no mercado externo foi inferior à operação brasileira, a maior exportadora global de frangos quer ampliar esse horizonte mundial nos próximos anos. Consolidada principalmente no Oriente Médio, a BRF planeja aumentar presença na América do Norte (Canadá, Estados Unidos mais México) e avançar igualmente em países da Europa.

Para crescer, é necessário ampliar a mão de obra. Com cerca de 90 mil trabalhadores, a BRF precisou reforçar o contingente durante a pandemia, por causa de afastamentos de pessoas que integram grupo de risco ou de quem precisou se licenciar por causa da doença, de pelo menos 10 mil temporários. Agora, a empresa abriu processo seletivo para contratação, de forma definitiva, de 3 mil trabalhadores. “São vagas para fábricas e para aumentar o contingente na operação para produção e distribuição de itens comemorativos de fim de ano, além de linhas novos de produtos”, disse Luz.

No terceiro trimestre, a BRF registrou investimentos da ordem de R$ 662 milhões, volume 50,8% superior ao mrdmo período do ano passado, com R$ 439 milhões. Boa parte desses recursos foi destinada ao aumento da capacidade das unidades de Uberlândia (MG) e Tatuí (SP). Com 39 unidades produtoras (34 no Brasil, três na Turquia, uma na Malásia e uma nos Emirados Árabes), a empresa deve inaugurar uma unidade em Seropédica (RJ), para produção de salsichas, no primeiro semestre de 2021. Além disso, estão no horizonte, até 2025, investimentos de R$ 700 milhões em ações de transformação digital. Entre os principais indicadores do terceiro trimestre, o único que não registrou alta no período, em relação ao ano passado, foi o lucro.

Foram registrados no terceiro trimestre R$ 219 milhões, valor 50,9% menor do que o reportado no mesmo período de 2019. Mas isso não necessariamente é visto como um problema. Segundo o CEO da companhia, no cargo desde junho de 2019, o resultado teve relação direta com ações de prevenção de colaboradores e de doações para comunidades impactadas pela Covid-19. Entre julho e setembro deste ano foram aplicados R$ 145 milhões em ações de combate à pandemia e preservação da saúde dos funcionários. “Outro fator é que a gente teve alguns ganhos tributários de ações em períodos anteriores que refletiram no lucro do ano. Por isso que há efeito de queda no lucro. Mas se a gente tirar os ganhos extraordinários, o resultado é positivo”, afirmou Luz.

A tendência de crescimento do resultado da companhia deve ser acentuada neste mês, por causa das vendas de produtos ligados às festas de fim de ano, como as aves. Esse período é considerado um “13º mês” do ano. “Vai ser um fim de ano atípico porque, apesar de acreditar que as celebrações nas famílias irão seguir, os eventos serão menores, com cada núcleo em suas casas, gerando várias ceias”, afirmou o principal dirigente da BRF. A companhia lançou 14 produtos natalinos neste ano, contra quatro no Natal de 2019. Somente com kits comemorativos, com peru, chester, lombo e outros itens, a companhia esperar comercializar 3 milhões de unidades.

MAIS CONSUMO, MAIS TRABALHO Com 90 mil trabalhadores, a BRF precisou contratar 10 mil temporários durante a pandemia e planeja trazer 3 mil funcionários de forma definitiva. (Crédito:Divulgação)

ACIMA DO ESPERADO O bom resultado da companhia no terceiro trimestre deste ano foi acima, inclusive, de previsões de analistas financeiros. Para Larissa Pérez, responsável por análises de agro, alimentos e bebidas na XP Inc., os números foram alcançados principalmente por uma melhora na eficiência operacional. “Tal estratégia nos surpreendeu positivamente, permitindo que a empresa alcançasse uma margem bruta de 23,6% no trimestre, acima da nossa estimativa de 17,5%”, disse a analista, em comunicado após a divulgação do balanço da BRF. Também mostra uma recuperação significativa do que foi observado nos primeiros nove meses de 2018, quando, à época, a companhia havia registrado prejuízo de R$ 2,4 bilhões, revertendo para lucro líquido de R$ 488 milhões no período de janeiro a setembro de 2020. A alavancagem também melhorou, quando foi reduzida de 6,7 no terceiro trimestre de 2018 para 2,9 no mesmo período deste ano. Números consideráveis num prazo curto.

Hoje com valor de mercado na casa de R$ 15 bilhões, a BRF tem registrado nas ações o bom momento financeiro, acentuado a partir do início da pandemia. No dia do anúncio do plano estratégico para 2030, na terça-feira (8), o papel da companhia fechou o pregão da B3 com alta de 8,69%, negociado a R$ 23,13.

A performance deve ecoar o segmento. Para o presidente da Abia, João Dornellas, a perspectiva é de otimismo em relação aos números do setor. “O processo de retomada gradual da economia, apesar das incertezas ainda colocadas pela pandemia, é importante fator de estímulo para as vendas e a produção da indústria de alimentos”, afirmou. Os indicadores mostram essa tendência. “No mercado interno, as vendas do varejo de alimentos mantiveram um bom desempenho ao longo do terceiro trimestre, com perspectiva de resultados favoráveis para o último trimestre do ano.”

SUSTENTABILIDADE No início do mês, a B3 anunciou as empresas que integrarão, em 2021, a carteira do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE B3), que trata de boas práticas corporativas e, pelo segundo ano consecutivo, a BRF está no grupo. No plano anunciado pela companhia no início da semana, estão ações como redução de perdas, utilização de fontes renováveis e políticas para práticas de igualdades de gênero.

Uma das medidas é aumentar a participação de mulheres entre cargos de liderança na companhia. Em 2018, o contingente feminino representava 16% do quadro de executivos, e chegou a 22% em 2020. Para 2025, a meta é alcançar 30%. “A gente não quer fazer cartaz bonito e sim ações afirmativas de fato. Abrimos mão de resultado financeiro e deixamos de fazer negócio se algo ferir a integridade do que a BRF acredita”, afirmou Lorival Luz. “Política de ESG precisa ser de verdade. É nisso que acreditamos.”