Quando ocupei meu lugar como jurado à mesa do 10 o Brazil Wine Challenge, em Bento Gonçalves, na manhã da quarta-feira (14), um terço do trabalho de avaliação das 774 amostras inscritas já havia sido feito na véspera. Éramos, no total, 57 avaliadores de cinco países (além do Brasil, vieram jornalistas, enólogos e sommeliers da Bolívia, Chile, França e Itália), alguns participando em um dia apenas, outros em todos. Os que chegaram primeiro já haviam avaliado 258 vinhos. Restavam, portanto, 516 para os dias seguintes. Na ficha à minha frente estavam listados os 43 produtos destinados aos degustadores da Mesa 2, presidida pelo chileno Eugênio Lira, delegado da União Internacional de Enólogos (Uioe) — uma das entidades internacionais que chancelam o evento, ao lado da Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV).

Tão didático quanto gentil, Lira explicou o funcionamento a cada um dos jurados da mesa. Ao meu lado (a uma distância devidamente calculada para evitar problemas em tempos de pandemia) estava o experiente Flávio Zilio, enólogo-chefe da Vinícola Aurora. À minha frente, a sommelière Jessica Marinzeck, da Evino. O jornalista e sommelier Irineu Guarnier Filho, de Porto Alegre,  fechava o grupo. A partir daquele instante, todos nós iríamos provar e pontuar dezenas de espumantes, brancos e tintos servidos a intervalos de 4 minutos, em média.

A degustação ocorre às cegas. As únicas informações disponíveis são a safra (quando ela é declarada pelo produtor) e a classificação em categoria, grupo e subgrupo. A sigla IC7, por exemplo, significa categoria I (vinhos brancos de variedades não aromáticas), grupo C (espumantes), subgrupo 7 (no máximo 12 gramas de açúcar por litro). Isso serve também para fornecer parâmetros de avaliação. Se estamos provando um branco, ele não pode ser rosado. Cada amostra recebe um número e só depois de encerrada toda a avaliação é que os jurados ficam sabendo de qual país ela  veio. Os nomes dos vinhos e das vinícolas são informados apenas após o encerramento completo do certame.

Organizado pela Associação Brasileira de Enologia (ABE), o Brazil Wine Challenge segue a metodologia da OIV para conferir medalhas de acordo com a pontuação obtida pelas amostras, em uma escala de 100 pontos. De 84 a 88,9, a medalha é de prata. De 89 a 92,9, ouro. E acima de 93, grande ouro. Mas nem todos ganham. Apenas 30% das amostras ganham medalha. Na terça-feira (13), quatro vinhos haviam obtido Grande Ouro. “Conferir uma Grande Medalha de Ouro é motivo de alegria e reconhecimento da qualidade, elevando o nível do concurso“, afirmou o enólogo Daniel Salvador, presidente da ABE e também do concurso. Todos à mesa aplaudem quando um vinho ultrapassa os 93 pontos. ”O som das palmas quebra o silêncio por alguns segundos fazendo com que todos comemorem a conquista”, disse Salvador. Das 43 que provamos na nossa ao longo de três horas na manhã do dia 14, nenhuma chegou a Grande Ouro — na opinião de Lira e Zilio, pelo menos duas eram merecedoras.

No dia seguinte, contudo, ao avaliar mais 44 amostras, nossa mesa atribuiu 93 pontos a um tinto seco (no máximo 4 gramas de açúcar por litro) da safra 2015. Mais tarde ele foi revelado ser do Chile. Era bem superior aos demais, embora outra amostra tenha recebido 94 pontos do presidente da mesa (o que não foi suficiente para garantir a mediana acima de 92). Outras mesas premiaram com Grande Ouro vinhos brasileiros, da Espanha e de Portugal. Entre 16 os países representados no concurso estavam ainda África do Sul, Alemanha, Argentina, Austrália, Áustria, Bolívia, Bulgária, Estados Unidos, França, Itália, Marrocos e Uruguai. Eu confesso que nunca havia provado tantos vinhos em tão pouco tempo — e jamais uma variedade tão ampla de estilos e de terroirs diferentes. A partir de agora, toda vez que me deparar com uma Grande Medalha de Ouro anexada ao rótulo de um vinho, terei uma consideração mais que especial por ele. Aprendi, na prática, que não é nada fácil conquistá-la.