Na semana passada, um pedaço de 1.040 hectares de terra que produz 20 mil sacas de soja e milho por ano, tem um milhão de pés de café e 700 cabeças de gado brangus transformou-se num latifúndio de problemas. Ali, no município de Buritis, em Minas Gerais, integrantes do Movimento dos Sem-Terra (MST) montaram acampamento à espreita de executar uma invasão. Um gesto repetido pela quarta vez nos últimos anos, sempre pelo mesmo motivo: obter publicidade ao provocar o presidente Fernando Henrique Cardoso, que mesmo depois de doar aos filhos a propriedade da Fazenda Córrego da Ponte é visto por todos como seu único e legítimo dono. Para barrar os passos dos invasores, agentes da Polícia Federal e tropas do Exército ocuparam posições atrás da porteira e ao longo da cerca da propriedade. Só isso já era o suficiente para gerar muita confusão. Mas Buritis fica em Minas, e lá há Itamar.

 

De Belo Horizonte, no Palácio da Liberdade, sede do governo mineiro, o ex-presidente e atual governador Itamar Franco eriçou o topete. Com ameaças de lançar a Polícia Militar contra a guarda federal e, mais tarde, buscar caminhos jurídicos para desapropriar a terra para fins de reforma agrária, ele destilou um rancor cultivado desde o momento em que passou a faixa presidencial para FHC. Quando os cerca de 50 integrantes do MST bateram em retirada, na quinta-feira, 14, Itamar ainda procurava no Supremo Tribunal Federal meios de exigir a saída das tropas do Exército.

A cena em torno da fazenda seria cômica, não fosse perigosamente patética. Em resposta a uma carta escrita por Fernando Henrique, na qual classificava as ameaças de Itamar como ?bazófias?, o governador deslocou blindados da PM para cercar o palácio do governo mineiro. E lá de dentro insinuou ter informações sobre um atentado contra ele próprio. Enquanto isso, um dos líderes do MST, José Rainha, dizia que ?Exército, Marinha e Aeronáutica? estavam desgostosos com a situação. Levados a sério, ambos teriam o poder de desestabilizar instituições. Recorrentes, apenas ocuparam espaços na mídia. Ao presidente, que procura ir à fazenda todas as vezes que busca paz e retiro, ficou a certeza de que aquela terra também lhe rende uma renitente dor de cabeça. A ele, ainda, sobrou o risco, real, de ver o Exército derramar sangue de brasileiros em defesa da propriedade de sua família. Um desfecho capaz de trocar de falso para verdadeiro o sinal da crise na fazenda do barulho.