Tinha tudo para ser um processo tranquilo de transferência de controle de uma das maiores empresas de papel e celulose do País, a Eldorado Brasil, dentro de um polpudo contrato de R$ 15 bilhões. Na última semana, no entanto, a venda da empresa brasileira da família Batista, controladora da holding J&F, dona da JBS, começou a se delinear como um complexo embate judicial. A parte compradora, a Paper Excellence (PE), do grupo Asia Pulp & Paper (APP), que já pagou
R$ 3,8 bilhões por 49,41% do capital da Eldorado, entrou com uma ação na Justiça contra a J&F para forçar a empresa a aceitar outros R$ 6,8 bilhões para aquisição da fatia restante de 50,59%. Desse total, R$ 4,5 bilhões iriam para a conta da J&F, como previsto no contrato assinado em setembro de 2017, e mais R$ 2,3 bilhões seriam destinados, de imediato, à redução de dívidas com credores.

Negócio bilionário: a compra da Eldorado Brasil pela Paper Excellence, por R$ 15 bilhões, prevê pagamento de dívidas de cerca de R$ 8 bilhões com bancos brasileiros e internacionais (Crédito:Joao Quesado)

O prazo para esse pagamento, que transferiria à PE o controle da gestão da empresa e 100% do capital, expirava em 3 de setembro de 2018. A encrenca começou porque a J&F decidiu não aceitar o dinheiro. Pelo acordo, além do depósito da PE, a compradora teria de liberar as garantias do grupo J&F (como ações da empresa, imóveis e o próprio frigorífico JBS) atreladas a dívidas de cerca de R$ 8 bilhões com sete bancos, entre eles o BNDES, o Santander, o britânico Canary Wharf Bank e instituições de fomento da Escandinávia. “A J&F não irá transferir o controle da Eldorado sem que a Paper Excellence livre os ativos da companhia alienados às dívidas com os credores”, afirmou uma fonte ligada às negociações. “Seria um grande risco ao grupo entregar 100% da Eldorado e continuar como fiadora de empréstimos bilionários.”

A preocupação mais do que se justifica. A Asia Pulp & Paper, durante da crise asiática, nos anos 2000, deu um calote de US$ 12 bilhões nos bancos credores. Até hoje a conta não foi paga. Desta vez, a empresa alega que a J&F está criando dificuldades para a liberação de garantias. Oficialmente, no entanto, as empresas não quiseram conceder entrevista por se tratar de um processo que corre em segredo de justiça. Sabe-se, porém, que o estopim do conflito entre comprador e vendedor foi a decisão do China Development Bank de desistir de financiar o negócio.

Negócio de família: os irmãos Joesley (à esq.) e Wesley Batista venderam ativos para fazer caixa (Crédito:Claudio Belli/Valor/Agência O Globo)

Sem o aporte chinês, alguns bancos credores, entre eles o BNDES, optaram por exercer o direito de receber adiantado em caso de troca de controlador. O BNDES tem R$ 2,7 bilhões a receber da Eldorado. O FI-FGTS, outros R$ 940 milhões. Mas a Paper Excellence, para antecipar o pagamento das dívidas, informou à J&F que já tem todo o dinheiro necessário para concluir o negócio e que depositou um uma conta do BTG, que intermedeia a negociação, R$ 6,8 bilhões para pagar as dívidas e mais R$ 4,5 bilhões pelas ações dos Batista.

A disputa judicial, no entanto, pode envolver interesses que vão além da liberação das garantias, segundo fontes ouvidas pela DINHEIRO. Desde setembro do ano passado, quando o contrato de venda da Eldorado foi assinado, o preço da celulose subiu mais de 40% e o dólar passou de R$ 3,14 para R$ 4,21, na cotação da tarde da quinta-feira 30. “A J&F quer mais pelos ativos da Eldorado, que estão mais valiosos do que há um ano”, disse uma fonte ligada à Eldorado. Além da alta do dólar e da celulose, há um fator adicional que reforça essa tese: a venda da companhia se deu em um ambiente de grande incerteza em torno da sustentabilidade dos negócios da família Batista, à época protagonista dos escândalos revelados pela Lavo Jato e pelas delações premiadas de Joesley Batista. Na ocasião, diante de um risco real de problemas de caixa, a J&F vendeu também o laticínio Vigor e a fabricante de calçados Alpargatas. “A J&F assinou o contrato quando precisava reforçar seu caixa, algo que não ocorre hoje”, afirmou a fonte.

Dono do papel: o indonésio Eka Tjipta Widjaja, dono da APP, tem conduzido pessoalmente as negociações (Crédito:Divulgação)

Soma-se a isso o fato de que as perspectivas para o setor de celulose são mais positivas hoje do que há um ano. Segundo o vice-presidente sênior da agência Moodys’s, Ed Sustar, o faturamento das empresas do setor deve crescer entre 4% a 6% no ano, acima da média de crescimento projetada para as economias que compõe o G-20, de pouco mais de 3%. “Nossa perspectiva positiva para a indústria global de papel e produtos florestais reflete a celulose de mercado acima do esperado, a embalagem de papel e os preços de papéis para impressão e escrita”, afirmou Sustar.

A primeira decisão da Justiça sobre o pedido de liminar solicitado pela Paper Excellence é aguardada para as próximas semanas. Se não houver uma sentença favorável à compradora, o caso deverá seguir para uma câmara de arbitragem privada, que costuma analisar casos como esse dentro de um prazo de quatro a seis meses. Enquanto o nó não desata, todos os investimentos na Eldorado estão suspensos. Se o conflito não tivesse sido instaurado, a família Widjaja informou que teria dado início a um plano de diversificação de portfólio, aumento das exportações para a Europa e América do Norte e ampliação da fábrica de Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul. Mas, enquanto a encrenca as entre comprador e vendedor não tem uma solução, o futuro da Eldorado segue nas mãos da Justiça.