A moralidade nas contas públicas prometida pelo candidato que se elegeu em 2018 era uma miragem. Até as despesas pessoais do presidente dispararam. De janeiro a agosto deste ano, a União despendeu R$ 5,8 milhões com viagens e gastos domésticos da família Bolsonaro. É o maior valor desde 2001. Como não é ele quem paga, Bolsonaro não economiza nem luz. Entre junho e agosto, quando a adoção da bandeira Escassez Hídrica elevou em 6,78% o gasto médio com energia elétrica para todos os brasileiros, as contas de eletricidade dos edifícios oficiais usados pelo presidente subiram 23%, com o consumo 6% maior que o do mesmo período de 2020. Esse desmazelo com o erário, somado à falta de aptidão para gerir até a economia doméstica, seria uma nota insignificante em meio à quantidade de decisões equivocadas de Bolsonaro em todos os campos. Caso houvesse um mínimo de sucesso na gestão da economia por parte da equipe escolhida pelo presidente, ninguém estaria preocupado com a conta de luz do Palácio da Alvorada ou da Granja do Torto. A questão ganha importância quando há provas de que a política econômica adotada pelo ministro Paulo Guedes é um acúmulo de fracassos. Caso alguém ainda duvide, vamos aos números.

A inflação dos últimos 12 meses chegou a 10,25%. Em setembro, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) teve alta de 1,16%, o maior para o mês desde 1994 — portanto, antes do Plano Real, o único que conseguiu livrar o Brasil da hiperinflação. Segundo pesquisa divulgada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a inflação brasileira em 2021 será a terceira mais alta do G-20, o grupo de países mais ricos. A OCDE considerou a taxa de 7,2% no ano para o País. Mas até o Banco Central (BC) projeta 8,5% para o fim deste ano. Não é o suficiente para ultrapassar a Turquia (17,8%) e muito menos a Argentina (47%). Mesmo assim, o País ficará distante da média do G-20, estimada em 3,7%. O dado invalida o argumento de Guedes sobre o descontrole inflacionário. Segundo o ministro, “os preços estão subindo em todo o mundo”. Pode até ser, mas aqui sobem mais — e não há perspectiva de recuo.

A atual escalada de preços decorre, em grande parte, da elevação do custo de produção de alimentos e de energia. Nos dois casos, a estiagem é fator decisivo. Soma-se a isso a alta internacional da cotação do petróleo, motivada pela redução da oferta, que encarece os combustíveis no Brasil e eleva o preço dos fretes, incluindo os de alimentos. Ao mesmo tempo, seja por duvidar da capacidade do governo de honrar seus compromissos, seja por antecipar dividendos para não pagar os impostos que irão incidir sobre ganhos de capital em 2022, os investidores estrangeiros reduzem sua exposição no País. Assim, a divisa nacional vai perdendo valor frente às moedas estrangeiras. O dólar agora oscila em torno de R$ 5,50 — o que torna o petróleo importado ainda mais caro.

Como resultado, o brasileiro está empobrecendo. Segundo o BC, 59,9% da renda familiar vai para o pagamento de empréstimos. O endividamento é o mais alto da série histórica, iniciada em 2005. Sem dinheiro, as famílias gastam menos e o PIB não cresce. Caso o BC aumente ainda mais os juros para tentar manter a inflação perto da meta (cujo limite superior foi fixado em 5,25% para este ano), irá encarecer o crédito e estrangular ainda mais investimentos futuros. O que fazer?

É consenso que o governo atual despreza a cultura (e, com ela, a geração de renda por meio da economia criativa), estimula a destruição da natureza (afugentando investidores que valorizam boas práticas ambientais) e nega a ciência, como prova o recente corte de 86%, ou R$ 565 milhões, nas verbas do fundo federal de fomento ao setor. Tudo isso retarda a inovação e reduz a produtividade. As 600 mil mortes causadas pela Covid-19, triste marca que o Brasil alcançou na sexta-feira (8), resumem de forma eloquente o legado do governo até aqui. Com a vacinação, é improvável que o número diário de mortes volte a crescer. Vitória da ciência sobre o negacionismo. Quanto à economia, que tantos apostaram ter tudo para deslanchar com o atual governo, agora não há mais dúvidas. Ela já está condenada. Só um milagre poderá salvar a gestão Bolsonaro-Guedes dos piores indicadores da história. E o preço de ter escolhido o Messias será um País mais pobre, ignorante e desigual.

Celso Masson é diretor de núcleo da DINHEIRO