Nem só de mentiras e promessas vazias vive o time econômico do governo Jair Bolsonaro. Na terça-feira (7), em encontro com alguns dos maiores empresários do País em evento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o presidente Jair Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes tentaram contornar a situação do lamaçal econômico que o País atravessa. Em uma resposta simplista, Bolsonaro afirmou que “é duro ser patrão no Brasil”, uma frase batida e sem nenhum efeito transformador. Já o (suposto) chefe da política econômica admitiu que a economia brasileira não embala nem na ladeira. “O Brasil é prisioneiro de uma armadilha de crescimento zero”, disse Guedes, atribuindo a estagnação crônica e o fracasso das políticas econômicas a todos os governos que o antecederam. “Temos que resistir ao ceticismo dos perdedores das eleições anteriores e reagir com a realidade.”

E a realidade é que o País já está em recessão técnica (quando a economia encolhe por mais de dois trimestres consecutivos). Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro caiu 0,1% no terceiro trimestre. No trimestre anterior, o PIB já havia encolhido 0,4% (a divulgação inicial foi de -0,1%, mas o IBGE revisou para -0,4%). Com esse desempenho pífio e contrastante com o ufanismo propagado por Guedes e Bolsonaro nos últimos meses, o Brasil ficou na 26º posição no ranking de crescimento no mundo. E por mais que Guedes tente convencer, como se estivesse ensinando teoria macroeconômica para jovens do ensino médio, que a culpa é menos dele do que dos governos passados, o fato é que uma combinação de elementos inflamáveis, atirado à fogueira da pandemia por ele e Bolsonaro, causaram um incêndio de proporções devastadoras.

Para os economistas ouvidos pela reportagem, além das crises econômicas, um dos principais combustíveis desta fogueira foi a desvalorização deliberada e sem controle efetivo do real. A mesma moeda que deixava, nas palavras do ministro,as empregadas domésticas viajarem para a Disney, enfiou a economia em um atoleiro há muito tempo não visto. E essa é só a ponta do iceberg. Há ainda a perda de renda da população que já gira em torno de 11% em um ano, segundo o Ipea, uma inflação que deve fechar o ano acima de 10%, e uma retomada do emprego puxada apenas pela precariedade e informalidade. Somados, esses fatores prejudicam o consumo (como mostrou o IBGE, com a queda de 0,9% nas vendas do varejo ampliado em outubro), derrubam a atividade industrial (-0,6% em outubro segundo o IBGE) e perpetuam um ciclo de incertezas que faz a economia patinar na lama e se afundar mais no atoleiro.

Para o economista Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda, os problemas que afetam o País nos últimos anos já prenunciavam que a performance do PIB seria cada vez pior, e esse processo negacionista do governo só atrapalha a construção de soluções. Ele afirma que grande parte dos economistas já esperava por esses resultados de agora, só o governo que não via. “Apenas o governo achava que o Brasil ia surpreender o mundo. Isso tem acontecido, de fato, mas de forma negativa.”

As perspectivas no horizonte não são animadoras. As empresas têm adiado investimentos para entender melhor o futuro e as famílias também têm suspendido decisões de compra e investimentos num cenário de alta de juros e da inflação, com medo do desemprego elevado e risco de agravamento do ambiente econômico em razão das eleições presidenciais de 2022. Para Antonio Correa de Lacerda, presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon) e professor de Economia Política da PUC-SP, a desaceleração da economia em 2021 está deixando para 2022 poucos vetores de crescimento. Ele diz que a tempestade perfeita precisa ser combatida para que as condições de crescimento possam ser retomadas. “O desemprego continua muito elevado, temos queda da renda real, a inflação segue persistente em todos os setores da economia, a alta da taxa de juros vai continuar. Essa combinação reduz o consumo e o nível de investimentos.”

Zanone Fraissat

“Só o governo achava que o Brasil ia surpreender o mundo. Isso tem acontecido, mas de forma negativa” Maílson da Nobrega Ex-ministro da fazenda.

No quesito renda, Lacerda se baseia nos dados mais recentes de retração. De acordo com o IBGE, o rendimento real dos trabalhadores ocupados brasileiros em setembro foi de R$ 2.459, cifra 11,1% menor que no terceiro trimestre do ano passado. Embora a taxa de desemprego tenha diminuído neste ano, ainda há mais de 13 milhões de brasileiros sem trabalho.

PERSPECTIVA Com indicadores e discursos tão conflitantes na economia, há quem aposte em uma pequena alta do PIB em 2022, outros enxergam estagnação e alguns prevêem mais recessão, como o Itaú e o Credit Suisse. Os dois bancos trabalham com a perspectiva de queda de 0,5% para o PIB brasileiro em 2022. Em 2021, o consenso do mercado aponta para uma alta de cerca de 4,8% do PIB, mas grande parte desse desempenho se deve à base de comparação fraca de 2020, quando a economia encolheu em 3,9% — o resultado foi revisado de uma queda de 4,1%.

Na contramão dos prognósticos, o governo aposta em nova surpresa. Representantes do Ministério da Economia têm afirmado que o mercado financeiro vai errar novamente suas projeções para 2022, assim como ocorreu em 2020. A visão é de que os economistas estariam subestimando a recuperação do emprego. Adolfo Sachsida, secretário de Política Econômica, disse em entrevista coletiva no fim de novembro que, no ano passado, o mercado estava projetando uma queda superior a 6,5% do PIB. O Banco Mundial projetava baixa de 8,1%, e o FMI, de 9,1%. “A Secretária de Política Econômica projetou queda de 4,7% e, depois de muita gente nos criticar e dizer que estávamos errados, no fim do ano, o mercado convergiu para nossa estimativa”, afirmou. “O ano terminou com queda de 4,1%, mostrando o acerto da nossa projeção.”

Evaristo Sa/AFP

“Como é duro ser patrão no Brasil. Eu sei que o salário é pouco para quem recebe e muito para quem paga” Jair Bolsonaro Presidente da República.

As projeções mais positivas do governo se sustentam, principalmente, nos dados de investimento. De acordo com o Banco Central, os investimentos estrangeiros diretos na economia brasileira somaram US$ 45,788 bilhões nos dez primeiros meses deste ano, com alta de 33,3% na comparação com o mesmo período do ano passado (US$ 34,352 bilhões). Somente em outubro, porém, os investimentos somaram US$ 2,493 bilhões, o menor patamar desde junho deste ano (US$ 693 milhões)

ESTAGFLAÇÃO Embora o PIB esteja andando de lado, não existe consenso sobre um eventual cenário de estagflação (quando o PIB não cresce, há grande desemprego e inflação se mantém elevada). Para Fernando Honorato, diretor do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco, o cenário é preocupante, mas não há estagflação porque há expectativa de recuo da inflação em 2022. “A economia entrou em recessão técnica, mas ainda há crescimento no consumo das famílias e no setor de serviços, que teve um desempenho morno”, afirmou.

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, pensa diferente e já enxerga estagflação. Com a revisão da queda do PIB de -0,1% para -0,4%, a percepção é de uma leve recessão ou de uma economia estagnada, segundo ele. “Mas quando consideramos que a inflação deverá chegar a 10% no fim do ano, podemos dizer que o País passa por um processo claro de estagflação.” Com ou sem estagflação, o fato é que a economia está no atoleiro. E, muito além do que disse Bolsonaro, duro mesmo tem sido ser brasileiro neste momento.