Filho de libaneses, Paulo Zahr aprendeu desde cedo os macetes de como atrair e conquistar os consumidores na loja de tecidos que o pai mantinha em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo. No decorrer dos anos, as habilidades adquiridas atrás do balcão mostraram-se essenciais. Primeiro, quando decidiu seguir o sonho de ser dentista. Ele então vendia materiais odontológicos para ajudar a pagar a graduação na Unoeste, em Presidente Prudente (SP).

Em 1994, de volta à terra natal e com um consultório montado, veio o desafio de formar sua clientela. O público de alta renda preferia profissionais mais experientes. A alternativa foi buscar os pacientes de menor poder aquisitivo. Para isso, passou a não cobrar a colocação de aparelhos ortodônticos. A receita vinha das taxas mensais de manutenção e o serviço era divulgado nas rádios locais, no comércio e nas ruas da periferia da cidade. O negócio avançou, literalmente, no boca a boca, para uma pequena rede de quatro clínicas, batizada de OdontoCompany.

Foi quando ele entendeu que o modelo de franquias era o ideal para escalar a operação. E negociou, em 2010, um acordo para integrar a SMZTO, holding de José Carlos Semenzato, um dos maiores nomes desse formato. Passados nove anos, não faltam motivos para Zahr sorrir. Com 474 unidades e 11,5 mil dentistas em todo o País, a companhia contabilizou um faturamento de R$ 398 milhões em 2018 e projeta encerrar este ano com 650 clínicas odontológicas e um faturamento de R$ 660 milhões. “Em 2020, vamos superar 1,3 mil unidades e R$ 1 bilhão de receita”, afirma.

Zahr não está sozinho nessa disputa. Nos últimos anos, diversas franquias de clínicas odontológicas populares ganharam corpo no País. No radar, um mercado que, no total, movimenta mais de R$ 38 bilhões anualmente e que é o maior do mundo em número de dentistas, com 319 mil profissionais, segundo o Conselho Federal de Odontologia. “Além de unir estética e saúde, essas franquias avançam no vácuo de serviços que deveriam ser prestados pelo governo”, diz André Friedheim, presidente da Associação Brasileira de Franchising (ABF). “E, por outro lado, são uma boa alternativa para os dentistas acessarem o mercado de uma maneira mais profissional.”

Com preços populares, descontos e parcelamentos, franquias de clínicas odontológicas atraem pacientes das classes B e C e miram receitas bilionárias

DA VILA CÍSPER A HARVARD O caminho percorrido por Carla Sarni, fundadora da Sorridents, guarda semelhanças com a trilha de Zahr. De origem humilde, ela vendia água mineral e roupas para bancar os estudos de odontologia na Unifenas, em Alfenas (MG). No intervalo das aulas, atendia voluntariamente moradores de áreas carentes. Depois de concluir a graduação, em 1995, retornou para São Paulo, onde teve passagens por algumas clínicas odontológicas, tanto em áreas nobres como na periferia. No mesmo ano, surgiu a oportunidade de assumir o comando do consultório no qual trabalhava, na Vila Cisper, bairro da zona leste da capital paulista.

Para pagar as 12 parcelas de R$ 1 mil acordadas, ela atendia de domingo a domingo. Não eram raros os dias nos quais começava a trabalhar antes das 7h e cumpria uma jornada até às 23h. O esforço valeu a pena. Em 2007, quando já contabilizava 23 unidades próprias, a rede deu início ao projeto de expansão via franquias. Hoje, são mais de 300 clínicas odontológicas, responsáveis por um faturamento de R$ 339 milhões no ano passado. O plano é fechar 2019 com 350 consultórios. “O setor de saúde, bem-estar e beleza está passando praticamente ileso pela crise”, afirma Carla, cuja empresa virou caso de estudo na Escola de Negócios da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, em 2016. “Fomos vistos como um negócio de grande impacto social.”

O modelo difundido por nomes como OdontoCompany e Sorridents não chamou atenção apenas em Harvard. Em 2012, a gestora de investimentos Bravia comprou 100% da operação da Odontoclinic que, dez anos antes, foi a pioneira a apostar no formato de franquias do setor. “O Brasil tem o maior número de dentistas do mundo e estatísticas de saúde bucal de um país subdesenvolvido. Essa proposta une esses dois mundos”, observa Carlos Leão, CEO da empresa. Ele destaca que a companhia teve um crescimento desordenado entre 2002 e 2010, o que obrigou a gestão do fundo a priorizar um processo de reestruturação de cinco anos. O trabalho envolveu frentes como o desligamento de alguns franqueados e a desaceleração na expansão. “Hoje, concluída essa etapa, estamos no nosso melhor momento para investir e colher os frutos desse período.” Com 170 unidades, o plano é ultrapassar 200 clínicas odontológicas e saltar de um faturamento de R$ 190 milhões, em 2018, para R$ 219 milhões nesse ano.

Algumas características em comum ajudam a explicar as projeções otimistas do segmento. Esses recursos buscam atender as demandas dos dois perfis de clientes: franqueados e pacientes. No primeiro caso, há uma série de componentes para facilitar o acesso a capital e viabilizar o início da operação. A OdontoCompany, por exemplo, tem uma parceria com o banco Santander para financiar em até 48 vezes os equipamentos e toda a estrutura dos consultórios. Entre as empresas ouvidas pela DINHEIRO, o aporte inicial varia de R$ 150 mil a R$ 450 mil, para unidades entre 60 m2 e 800 m2.

O número de dentistas em cada unidade também segue um formato semelhante. Boa parte das redes investe em pontos com mais de 4 consultórios e que oferecem uma gama cada vez mais variada de especialidades, das consultas de clínica geral e estética até tratamentos e procedimentos mais sofisticados, como ortodontia, implantes e próteses dentárias. Para agilizar o atendimento, muitas contam com o apoio de equipamentos como raio-x panorâmicos nas instalações.

NO ORÇAMENTO O leque de recursos para facilitar o acesso dos pacientes a esses serviços é amplo. Os pacotes incluem, por exemplo, incentivos. É o caso da Odonto Excellence, que começou a escalar sua rede de franquias a partir de 2007. Dona de uma receita de R$ 300 milhões em 2018, a empresa conta com mais de 700 unidades no País, em Angola, Portugal e Paraguai. A empresa oferece créditos para quem pagar as parcelas até o vencimento ou indicarem outros pacientes. Os descontos no próximo “boleto” ou tratamento podem chegar a 17%. “Também damos um crédito de R$ 2 para aqueles que se conectam aos nossos aplicativos ao menos uma vez a cada trinta dias”, explicou Oséias Gomes, fundador e CEO da companhia, em entrevista concedida no início do ano à DINHEIRO.

Os preços populares e a possibilidade de dividir o pagamento são outras tônicas do setor. A OdontoCompany, por exemplo, buscou inspiração na Casas Bahia para oferecer o parcelamento em até 36 vezes, além de cartões de crédito emitidos nas próprias unidades, em questão de minutos. Ao mesmo tempo, a mensalidade de nenhum tratamento na rede supera o valor de R$ 150. Juntamente com a alternativa das parcelas e de um cartão de crédito private label, a Sorridents, por sua vez, também conta com um convênio próprio. “Hoje, já fazemos mais de 400 mil atendimentos por mês e trazemos, nesse intervalo, uma média de 33 mil a 50 mil novos pacientes”, afirma Carla.

Com preços populares, descontos e parcelamentos, franquias de clínicas odontológicas atraem pacientes das classes B e C e miram receitas bilionárias

O investimento em tecnologia é mais uma frente, seja para apoiar a operação dos franqueados ou mesmo para desenvolver ferramentas que tragam melhorias nas rotinas e consultas, a um custo mais acessível. Com essa visão, a Odontoclinic mantém um centro de inovação há quatro anos. Um dos frutos do laboratório é uma plataforma que usa recursos como escaneamento e impressão 3D para desenvolver aparelhos ortodônticos personalizados e mais precisos para cada paciente. “Essa solução reduz, em média, 25% no tempo do tratamento”, afirma Carlos Leão. A rede também reforça outro expediente do segmento: o investimento em campanhas publicitárias protagonizadas por nomes com forte apelo popular. O jogador Neymar Jr. e o medalhista olímpico do salto com vara Thiago Braz são as escolhas da companhia. A cantora Ivete Sangalo, por sua vez, é a estrela da Sorridents. Já a OdontoCompany, com um verba anual de marketing de R$ 30 milhões, aposta suas fichas em apresentadores de tevê como Rodrigo Faro, Ratinho e Milton Neves.

A OdontoCompany também é um dos nomes que promete liderar as aquisições no setor, bem como a expansão para outros negócios. “Temos R$ 23 milhões reservados para essa frente neste ano e outros R$ 92 milhões para 2020”, diz Zahr. O foco é reforçar o portfólio com a compra de franqueadoras especializadas em alguma vertente da odontologia. Dentro desse escopo, a companhia está prestes a anunciar dois acordos nos próximos meses. “Se concretizarmos essas propostas, antecipamos o marco de R$ 1 bilhão em receita para esse ano.” O empresário também começa a alinhavar a expansão da PartMed, rede de clínicas médicas populares da SMZTO.

A Sorridents segue o mesmo rumo. Além de aquisições, a empresa constituiu a holding Salus Health que inclui outras operações como a DocBiz, de softwares e tecnologia para o setor de saúde, e a Giolaser, franquia de clínicas de estética em sociedade com a atriz Giovanna Antonelli. “O segmento de clínicas odontológicas já tem grandes empresas e maturidade para iniciar um processo de consolidação e gerar receitas em outros segmentos”, diz Friedheim, da ABF. Resta saber quem irá sorrir por último nessa corrida.

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