Uma empresa atravessar anos de prejuízo e dívidas elevadas não é necessariamente sinal de uma ruína sem volta. A gigantesca e onipresente Amazon é um exemplo. O problema é como você enfrenta a situação. O escritor americano Charles Bukowski (1920-1994) definia esse momento em uma frase: “A coisa que mais importa é o quão bem você anda pelo fogo”. É aí que o grupo Madero não manda bem. Com passivo na casa dos R$ 2 bilhões e prejuízo operacional acumulado em R$ 370 milhões nos últimos dois anos, a empresa está emitindo debêntures para financiar os R$ 706 milhões em dívidas que vencem neste ano. O recurso também será aplicado na operação e para alongar os prazos de pagamentos a credores em cinco anos.

O problema é que o mercado aparentemente não comprou a modelagem arquitetada pela empresa. A companhia decidiu emitir debêntures para conseguir R$ 500 milhões com a venda de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs), que são títulos de renda fixa lastreados no agronegócio – nada mais do que um instrumento para captar recursos no mercado. Os CRAs, no entanto, são considerados investimentos de risco. A modalidade não tem a cobertura do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), do Banco Central, uma espécie de seguro que devolve ao investidor até R$ 250 mil em caso de insolvência.

 

APETITE POR EXPANSÃO O plano de negócios prevê crescer 50% do faturamento por ano, o que só é possível com a abertura de lojas. Com a crise, no entanto, muitas unidades não são rentáveis (Crédito:Divulgação)

Outro diferencial dos CRAs, segundo Max Mustrangi, sócio-fundador da gestora de turnaround e reestruturação Excellance, é o fato de tratar-se de um investimento sem destino definido por regulamento, o que gera dúvidas sobre como o capital será empregado. Exemplo: o dinheiro poderia ir para investimentos, e alavancar receitas, mas provavelmente seria destinado a somente renegociar dívidas. Por isso, escritórios de agentes autônomos resistem à proposta e muitos decidiram ficar de fora do processo ao considerarem o ativo arriscado demais.

Enquanto isso, o grupo segue remando para controlar as chamas. Procurada pela DINHEIRO, a empresa nada comenta por estar em período de silêncio. A origem da modelagem de negócios fora do ponto de cozimento nasce em nome de um plano de negócios que prevê aumento de 50% por ano no faturamento, o que só vem sendo possível com a expansão da rede de lojas. O apetite pelo crescimento a todo custo dobrou a dívida do grupo de 2020 para 2021. O que colaborou para desistir do IPO em janeiro.

Para Mustrangi, a saída mais interessante para Luiz Renato Durski Junior, fundador e sócio-controlador com 58% da companhia, é sentar com o fundo americano Carlyle, que detém 34% das ações, para rever o plano de negócios. É preciso estancar a sangria de investimentos na expansão, fechar as lojas mais onerosas e enxugar a operação para torná-la rentável. Em 2021, o Madero investiu R$ 332 milhões em tecnologias para os restaurantes e na abertura de pontos, mesmo com a receita por loja 15% abaixo de 2019. A rede abriu 35 novos endereços, chegando a 258 no País, sem ter fechado nenhuma unidade nos últimos 12 meses.

ALTERNATIVAS O Grupo Madero refuta o pedido de recuperação judicial, o que, de fato, está mais distante do que parece. As chances são que o Carlyle aja antes para não arranhar sua imagem com os investidores do fundo. Outras saídas envolveriam a negociação direta com credores ou buscar novos financiamentos no mercado. Em ambos os casos, as condições impostas seriam muito duras e talvez impraticáveis para a companhia. O IPO é outra carta fora do baralho: além da piora do mercado, as dívidas afastam os investidores.

Assim, a realidade de uma reestruturação do Grupo Madero liderada pelo Carlyle parece cada vez mais próxima. Se o fundo de private equity decidir revisar o valuation do Madero – estimado em R$ 3 bilhões em 2018, quando aportou R$ 700 milhões por uma fatia de 22% – e, consequentemente, entender que é preciso aumentar sua parte na sociedade, seu domínio pode significar a saída de Durski do controle. No fim do ano passado, a gestora aportou mais R$ 300 milhões no grupo, ajudando a reduzir a dívida líquida de R$ 981 milhões para R$ 764 milhões. Para quem lida com fogo, apegar-se à frase de Bukowski pode ser a única saída para o empresário paranaense e seus sócios.