Quando o ministro Paulo Guedes comemorou o fim da “festa danada” das empregadas domésticas que viajavam para os parques da Disney, nos Estados Unidos, o suposto chefe da Economia contou apenas uma parte dos efeitos (até então positivos, segundo ele) da desvalorização do real frente ao dólar, muito celebrado pelas empresas exportadoras. Mas agora a conta chegou para todos, não apenas para diaristas, faxineiras e governantas. Uma conta que, além de cara, mantém tendência de alta. Apenas em 2021, pelos dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP), o preço do litro da gasolina acumula aumento de 30,5% nos postos. Em quatro estados — Acre, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Tocantins —, o preço médio supera R$ 7 o litro. Já o diesel, insumo básico no custo do frete, subiu 24,2% neste ano. Na carona, o etanol foi além: 56,5% desde janeiro, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada. Para comparação, o reajuste do salário mínimo em 2021, como base na inflação oficial do ano passado, o IPCA, foi de 5,45%.

Como uma bomba-relógio na iminência de explodir, a disparada dos combustíveis tem literalment efeito de gasolina na fogueira da crise econômica e política do País. As manifestações programadas para o próximo 7 de Setembro têm como instrumento de ameaça uma nova greve dos caminhoneiros, nos moldes de maio de 2018, quando o litro do diesel comum era vendido por R$ 3,60 — valor que, atualizado pela inflação, seria R$ 4,11. Hoje o litro é vendido por R$ 4,61 na média nacional. A diferença, agora, é que os caminhoneiros são uma das bases eleitorais do presidente Jair Bolsonaro, embora o apoio esteja perdendo força conforme sobe o sufoco dos motoristas.

A crise dos combustíveis não está, desta vez, apenas nas costas de Bolsonaro — apesar de o dólar subir a cada nova ameaça ou declaração verborrágica do chefe do Executivo. O presidente está cumprindo uma promessa de campanha de acabar com a ingerência do governo na política de preços da Petrobras, uma regra essencial de alguém que levanta a bandeira do liberalismo econômico, como queriam seus eleitores. O resultado dessa equação é simples. “Os combustíveis são precificados em dólar e vendidos em reais”, analisou Felipe Perez, diretor e estrategista de refino e combustíveis da IHS Markit para a América Latina. “Agora, quando o dólar sobe o consumidor sente no bolso.”

PARADA DO MOTORISTA Greve dos caminhoneiros, em 2018, foi motivada pela alta no preço do diesel que, em números atuais, ficaria em R$ 4,11 o litro. Nas bombas pelo Brasil, preço jâ gira em torno de R$ 4,61. (Crédito:Nelson Antoine)

No time dos vilões, junto da alta da moeda americana está a valorização da cotação do petróleo. Em 2021, o preço médio do barril do tipo Brent chegou a US$ 67, contra a média de US$ 41 contabilizada no ano passado — elevacão de mais de 63,4%. Como a Petrobras, sob comando do general da reserva Joaquim Luna e Silva, adota uma política de alinhamento ao mercado internacional (o preço de paridade de importação, o PPI), o petróleo mais caro representa reajustes imediatos para a gasolina e o diesel.

EFEITO CASCATA E se a alta do preço do combustível já é um problema grande, o conjunto da obra tende a ser pior. Segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), medido pelo IBGE, o avanço em agosto foi de 0,89%, o maior desde 2002. A aceleração do indicador se deu porque 70% dos setores usados para mensuração apresentaram alta. O destaque, além do combustível (+2,2%), foi o avanço do preço da energia elétrica (+5%). Juntos os dois itens responderam por mais de um terço da inflação. Há alguns meses, o Banco Central e o próprio governo avaliavam a inflação como uma alta pontual, o que se provou errado. Para o economista André Braz, analista de inflação do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre), a pressão deve seguir nos próximos meses.

Sobre o avanço da inflação, que se aproxima de 9% em um ano, Paulo Guedes minimizou o impacto usando duas informações imprecisas. A primeira, e mais pitoresca, foi comparar a inflação brasileira com a americana (em 5,4%). “Essa a alta é parte do jogo, é só ver o que acontece nos Estados Unidos”, disse. A comparação, no entanto, é descabida, já que a pressão inflacionaria nos EUA está atrelada à retomada econômica e pesa menos no bolso do cidadão em países ricos. A segunda imprecisão do ex-Posto Ipiranga foi dizer que o Banco Central irá “calibrar a inflação”. Talvez ele tenha esquecido que a recente aprovação da autonomia do BC isenta seu presidente, Roberto Campos Neto, de qualquer influência do governo nas variações da Selic. Para poder interferir na política monetária, por ironia do destino, Guedes teria que torcer para o Supremo Tribunal Federal (STF) terminar de votar um pedido do Psol e do PT que discorre sobre a potencial inconstitucionalidade da autonomia do Banco Central.