Antes de tratarmos com Martín Tetaz, vale falar da escola conhecida por Economia Comportamental. Só recentemente ela começou a ter o respeito dos decisores do Prêmio Nobel. Entre seus vencedores mais reluzentes estão Daniel Kahneman & Vernon Smith (2002) e Richard Thaler (2017). Este, aliás, patrocina uma grande ironia, já que é vinculado à Universidade de Chicago — a mesma de Paulo Guedes. Como é sabido, do departamento de economia dessa instituição saiu a maior quantidade de vencedores do Nobel na área de economia. Está ali também o berço mais famoso da linha de pensamento fundamentada no liberalismo. Thaler ser da Chicago não significa, no entanto, qualquer contradição. Ao contrário. Traz uma confirmação: vivemos num mundo em que as soluções pedem complexidades.

E é por isso que vale tratar de Martín Tetaz. O jovem economista argentino (46 anos) vinculado à Universidad Nacional de La Plata é dos expoentes latino-americanos dentro da Economia Comportamental. Seria muito bom para a cabeça mimada e minada de Paulo Guedes escutar esse cara. Com 30 meses de mandato, nosso superministro foi disparadamente a figura que mais se apequenou na República Militar de Bolsonaro. Em parte, porque dos demais nomes não se esperava muita coisa além de mediocridade mesmo. Por outro lado, porque de Guedes se esperava muito.

O erro de nosso ministro começa ao acreditar 100% num mantra compartilhado por muitos de seus colegas de profissão: a economia é a mais exata das ciências sociais. Fato. Mas que não esgota a resposta. Porque se fosse somente ciência dura as empresas não quebravam e os países não viveriam crises. A fé cega de Guedes de que sua cartilha econômica bastaria para atropelar todo os nuances de uma sociedade maldosa-desigual-mesquinha-e-complexa como a brasileira o transformou num juvenil. O Tigrão que faria o Congresso engolir garganta abaixo sua agenda virou um senhor engolido por Brasília, e que hoje come na mão de Arthur Lira para emplacar protoprojetos – as desidratadas e acovardadas reformas administrativa e tributária ou os simulacros de privatização, como o monstrengo Eletrobras.

Por esses motivos é preciso que Guedes proponha nos 18 meses a seguir alguns caminhos. Menores, mas que podem evitar que ele conduza o Brasil para um precipício fiscal eleitoreiro, lastreado em auxílios emergenciais ad eternum e desonerações a setores econômicos ávidos por uma graninha de um governo desesperado. Aqui entram, então, as três mensagens de Tetaz a Guedes.

Recado 1. Viés de Representatividade. Tetaz, citando o Nobel Daniel Kahneman, diz que “temos a propensão de acreditar que a realidade que nos cerca é representativa do total do país”. Cair na cilada do movimento de alta da Bolsa, de um dólar perto dos R$ 5 e de um PIB acima de 5% não fará o Brasil deixar de ser um lugar que necessita de reformas sérias e estruturantes. Muito menos vai reduzir qualquer desigualdade. O problema de se acostumar com o espelho é tornar cotidiana e banal a imagem invertida. Este é o maior nó de nosso corpus social. E a teoria econômica mais avançada, que não trata cada ser humano como uma máquina racional de maximizar ganhos, mostra que pessoas são mais motivadas por seu bem-estar relativo e não seu bem-estar absoluto. Em outras palavras, tão importante quanto minha renda é a comparação dela com meus pares. Destravar a economia passa por aqui.

Recado 2. Viés de Disponibilidade de Informação. Isso tem muito a ver com qualquer política de estímulo impensada ou apenas pensada nas eleições de 2022. Esse viés diz que a maior parte das pessoas, em cenários de incerteza que podem trazer perdas (exatamente o que temos hoje), vai se comportar cada vez mais de forma conservadora em relação aos ganhos e rendimentos e só admitirá riscos nas situações que podem envolver futuras perdas — que, afinal, podem ser evitadas de alguma forma. Ou seja. Vamos buscar certa previsibilidade. O senhor Guedes já deve ter reparado que o Focus aumenta há 11 semanas a previsão de alta do PIB para 2021, mas igualmente iniciou o ciclo de queda do PIB de 2022.

Recado 3. Viés de Confirmação de Hipótese. É aquele responsável “por nos agarrarmos à nossa teoria com unhas e dentes, ainda que surja uma informação que a contradiga”. E as consequências da teimosia podem ser desastrosas aos negócios — e aos países. Senhor Guedes, é fato que seu chefe, enroscado cada dia mais, transferiu a cadeira que ocupa ao Congresso. Com o Centrão à frente, e seu conhecido modus operandi, seria razoável o senhor trabalhar dentro do que tem à mão. Isso significa focar na agenda regulatória, que não precisará de uma infrutífera discussão política. Sem querer te provocar muito, que não é hora para isso, mas faça um pouco como o seu colega do BC tem feito. Trabalhe em perfil baixo. Será a melhor lição de Tetaz para a sua biografia.

Edson Rossi é redator-chefe da DINHEIRO.