O controlador do Banco Cruzeiro do Sul, Luis Octavio Indio da Costa, manteve a pose até o final. Na sexta-feira 1º, último dia à frente do banco, Indio da Costa, que acumulava as funções de presidente e diretor de relações com investidores, chegou a receber analistas de agências de rating. Confirmava estar negociando a venda do banco para o BTG Pactual e dizia que o fechamento do negócio dependia do preço. E argumentava: “Vocês acham que, se o meu banco estivesse mal, o Fundo Garantidor de Créditos teria deixado a gente comprar o Prosper?” O Cruzeiro do Sul comprara, em dezembro, a pequena instituição carioca por R$ 55 milhões. 

 

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Luis Octavio Indio da Costa, a analistas de rating: ”Vocês acham que, se o meu banco estivesse mal,

o Fundo Garantidor de Créditos teria deixado a gente comprar o Prosper?”

 

Nada mais distante da realidade do que o quadro que Indio da Costa tentava pintar aos visitantes. Durante toda a segunda quinzena de maio, o Banco Central (BC) e o FGC tentavam encontrar uma solução para o Cruzeiro do Sul, depois de descobrir uma fraude estimada em R$ 1,3 bilhão na carteira de crédito do banco. Segundo um executivo ligado ao FGC, os 300 mil empréstimos consignados fictícios não eram recentes – a carteira fraudulenta existia havia alguns anos – mas só foram descobertos numa inspeção do BC em abril. Com a fraude, o patrimônio de R$ 1,1 bilhão que o Cruzeiro do Sul declarou no último balanço na verdade é negativo em R$ 200 milhões. 

 

O BC exigiu um aporte de R$ 1 bilhão, que Indio da Costa não tinha como levantar. Grandes bancos não se interessaram pela instituição e o único a iniciar negociações com o FGC foi o BTG Pactual. O maior problema era saber o tamanho exato do rombo, o que não é fácil em casos de fraude: no PanAmericano, do empresário Silvio Santos, o buraco inicialmente estimado em R$ 2,5 bilhões saltou para R$ 4 bilhões. “Desconhecendo o tamanho do problema, o comprador exigiu muitas proteções. Foram tantas que amarraram o negócio”, disse o diretor-executivo do FGC, Antonio Carlos Bueno, a jornalistas no dia da intervenção. 

 

Uma fonte do FGC afirma que o banco de investimentos “queria fazer o negócio sem assumir risco”. A proposta de André Esteves era comprar o Cruzeiro do Sul por R$ 1, e que o FGC se responsabilizasse não apenas pelo rombo atual, mas também por qualquer problema encontrado no futuro. O FGC achou a exigência excessiva, e, sem outros interessados, acertou a intervenção com o BC. “Acreditamos que a melhor alternativa é tentar vender o banco para minimizar os prejuízos”, disse Bueno. Quem passa a ocupar a cadeira de Indio da Costa na sede do banco, na zona sul de São Paulo, é Celso Antunes, que já foi do Banco Real e administrou o Pan-Americano depois que o FGC assumiu a instituição. 

 

A dimensão do rombo só deve ficar clara em algumas semanas, à medida que progredir uma auditoria da PriceWaterhouseCoopers, contratada na terça-feira 5, que terá um prazo de 60 dias. “Quanto melhor for a foto, mais vendável fica o banco”, diz Bueno. Até agora, o FGC tem comprometidos no Cruzeiro do Sul R$ 3,3 bilhões. Desse total, R$ 2,1 bilhões correspondem aos Depósitos a Prazo com Garantia Especial (DPGE), um tipo de CDB criado em 2009 para facilitar a captação de bancos médios. O FGC garante os DPGEs em até R$ 20 milhões e não apenas o limite de R$ 70 mil. Outros R$ 100 milhões são o restante dos depósitos garantidos. 

 

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Os interventores: Bueno (à esq.) e Antunes, do FGC,

irão administrar o banco até uma eventual venda ou liquidação.

 

Além disso, o FGC já colocou R$ 1,1 bilhão num fundo de recebíveis que adquiria carteiras do Cruzeiro do Sul, e até antes da intervenção tinha o compromisso de aportar R$ 3,5 bilhões. A existência desse fundo, criado para dar liquidez ao banco no fim do ano passado, também era usada por Indio da Costa como argumento da solvência do banco a interlocutores. Justamente por já ter comprometido um patrimônio razoável, o FGC preferiu a intervenção com continuidade das operações. Executivos do FGC e do mercado financeiro são unânimes em afirmar que o impacto da fraude no Cruzeiro do Sul é bem menor do que no PanAmericano. Não houve cessões da carteira problemática a outras instituições, como no caso do banco de Silvio Santos. 

 

Além disso, o Cruzeiro do Sul já vinha sofrendo problemas de credibilidade havia algum tempo. Sua contabilidade foi questionada em 2010 pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), porque o banco cedia suas carteiras de crédito para Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) do qual ele mesmo era cotista, para reduzir as exigências de capital. O balanço do primeiro trimestre, com prejuízo de R$ 58 milhões, trouxe uma ressalva do auditor, a Ernest & Young, porque o banco reconheceu integralmente perdas em renegociações de créditos em atraso. Com todos esses sinais de alerta, já não captava recursos de grandes investidores em instrumentos sem garantia como outros bancos médios de boa reputação. 

 

Por isso, chama a atenção a compra do Prosper no fim do ano passado, com a anuência do FGC. Mas o fato é que o BC está preocupado com a situação. Um banqueiro de porte médio relata que o BC vem monitorando com atenção os bancos menores, ligando todos os dias para checar como está o caixa. “Os bancos médios devem sofrer com maior reticência dos investidores”, afirma o presidente da Austin Rating, Erivelto Rodrigues, que prevê uma elevação nos custos de captação. A receita dos bancos médios já está caindo este ano, com a exigência do Banco Central de reconhecer gradualmente o ganho com a venda de carteiras de crédito, se a instituição mantiver responsabilidade por eventual inadimplência depois da cessão. 

 

Executivos também relatam que o BC vem exigindo dos médios provisões maiores sobre as carteiras de crédito. O futuro do Cruzeiro do Sul, por enquanto, é uma incógnita. Não é certo que o banco escape de uma liquidação. Mas, desta vez, pela maneira escolhida para resolver o problema, o FGC e o Banco Central garantiram o bloqueio de bens dos controladores e da diretoria. Indio da Costa, conhecido pelas festas extravagantes e presença em colunas sociais – chegou a namorar a apresentadora Daniella Cicarelli e contratou os astros Elton John e Tony Bennett para shows particulares –, é, definitivamente, um ex-banqueiro. 

 

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