O acordo bilionário que a Petrobras fechou com os acionistas dos Estados Unidos na ação coletiva (class action), anunciado na terça-feira 3, pode ser considerado uma dádiva de Ano Novo para a estatal. Investidores minoritários americanos, e detentores de títulos da dívida, vão receber US$ 2,95 bilhões (R$ 9,5 bilhões), como indenização pelos prejuízos sofridos com o esquema de corrupção investigado pela Operação Lava Jato. A cifra não é pequena. Representa mais de seis vezes o R$ 1,4 bilhão que a estatal conseguiu recuperar até agora devido às investigações. Porém, o desenlace poderia ter sido muito pior. Os profissionais do mercado estimavam faturas que oscilavam de US$ 10 bilhões (R$ 32,2 bilhões) a US$ 14 bilhões (R$ 45,2 bilhões), no pior cenário. “A empresa está pagando menos de um terço do valor mínimo esperado, o que é muito positivo”, diz Celson Plácido, estrategista-chefe da XP Investimentos.

O acordo diminui a incerteza com as despesas da estatal. A indenização será paga em três parcelas: duas de US$ 983 milhões, ainda em 2018, e uma de US$ 984 milhões, em 2019. O valor total será provisionado no resultado do quarto trimestre de 2017, que ainda será divulgado. O mercado recebeu bem a notícia. No ano, as ações preferenciais da Petrobras subiam 3,9%, tendo fechado a R$ 16,73 na quinta-feira 4. A agência de classificação de risco Moody’s avaliou o acordo como positivo para a petroleira, cujos papéis hoje são classificados no nível B3, indicando risco especulativo. Em seu relatório, a Moody’s informou também que o pagamento não vai afetar as finanças da companhia, que deve “gerar cerca de US$ 30 bilhões de caixa operacional em 2018”.

Os executivos da Petrobras tiveram pouco tempo para comemorar o acordo. No primeiro dia útil do ano, uma nova incerteza passou a pairar sobre o caixa da estatal. Na terça-feira 2, a estatal recebeu uma autuação da Receita Federal. O Leão apareceu para cobrar o pagamento de R$ 17 bilhões em impostos relativos a remessas ao Exterior, realizadas para pagar o afretamento de embarcações, durante o exercício de 2013. Para Rafael Passos, analista da Guide Investimentos, a notícia limitou os ganhos da ação, que poderiam ter sido maiores depois do acordo fechado nos Estados Unidos. “Embora a notícia tenha um viés negativo, ainda é cedo para avaliar os possíveis impactos no caixa da companhia”, diz. “Existe uma grande possibilidade de o desembolso ser menor do que os R$ 17 bilhões”.

Os analistas vêem mais pontos positivos. Ao longo de 2018, a Petrobras deverá continuar seu processo de desinvestimentos. Na avaliação de Passos, esse compromisso é fundamental para reduzir o endividamento da empresa, que é o que mais preocupa os investidores. Os planos são de vendas de US$ 19,5 bilhões (R$ 62,4 bilhões) no biênio 2017/2018. No ano passado, a companhia obteve R$ 12,2 bilhões, sendo R$ 5,5 bilhões com a abertura de capital da BR Distribuidora, e R$ 7,2 bilhões com a venda de 25% do campo de Roncador à norueguesa StatOil. No fim de dezembro, ela informou o início do processo de venda de 90% de sua participação na Transportadora Associada de Gás (TAG). A expectativa dos analistas para este ano é que a Petrobras se dedique à venda de refinarias. “Existe ainda a discussão de vender a participação na Braskem”, diz Plácido, da XP.

Ele diz esperar novos leilões do pré-sal nos próximos meses, o que tende a incrementar a o caixa. “Várias empresas estrangeiras já demonstraram interesse em firmar parcerias com a petroleira.” Para ele, a venda de ativos deverá concentrar o foco da estatal no ganho de eficiência operacional. A previsão de investimentos na área de refino e gás natural é de US$ 12,4 bilhões para o biênio 2017/2018, com objetivo de elevar a produção total de óleo e gás para 3,41 milhões de barris de óleo equivalente por dia em 2021, considerando os campos no Brasil e no Exterior. Isso representa um avanço de 27,7% ante os 2,67 milhões de outubro, dado mais recente disponível. Com isso, o consenso de mercado para os papéis da estatal é um preço-alvo de R$ 18,28 em 12 meses, indicando uma alta potencial de 9,2%.

Lava jato: prisão de Nelson Cerveró, condenado por sua participação nos desvios da Petrobras. Corrupção causou perdas de R$ 6 bilhões, declaradas no balanço de 2014 (Crédito:Jonathan Campos)

Enquanto a estatal comemora o acordo, que elimina o risco de um julgamento com a participação de júri popular, de resultado imprevisível, os acionistas minoritários brasileiros avaliam que a Petrobras também deveria buscar uma conciliação por aqui. Em uma petição enviada à Petrobras na quarta-feira 3, a Associação de Acionistas Minoritários (Aidmin) voltou a exigir o pagamento de uma indenização aos minoritários brasileiros pelas perdas provocadas pela Lava Jato. Ao divulgar, com muito atraso, o balanço referente ao exercício de 2014, a estatal divulgou baixas contábeis de R$ 55 bilhões. Desse total, R$ 6 bilhões foram provocadas diretamente pela corrupção. O pedido da Aidmin foi feito no âmbito do processo que tramita na Justiça de São Paulo desde novembro de 2017. “O acordo auxilia no processo, pois demonstra que existe a responsabilidade por parte da empresa pelas perdas”, diz André Almeida, advogado da Aidmin.

A estratégia de defesa da Petrobras nesse processo, na class action e nas 13 ações individuais que ainda tramitam nos Estados Unidos, é se isentar da responsabilidade pelos desvios. Em nota, a estatal repete os termos do documento assinado em Nova York. “No acordo, a companhia expressamente nega responsabilidade (pelas perdas dos acionistas). Isso reflete a sua condição de vítima dos atos revelados pela Operação Lava-Jato”. Na avaliação de Aurélio Valporto, vice-presidente da Aidmin, o fato de a companhia ter aceitado desembolsar US$ 2,95 bilhões é uma confissão de culpa. “A empresa tem obrigação moral de propor um acordo para os acionistas brasileiros”, diz. “O fato de a Petrobras ter sido utilizada no esquema de corrupção não a isenta da culpa”. À DINHEIRO, a Petrobras informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que é “assistente de acusação e coautora de diversas ações na Justiça contra empresas e pessoas físicas envolvidas em casos de corrupção”.

Vendas: abertura de capital da BR Distribuidora levantou R$ 5,5 bilhões, e desinvestimentos devem continuar
em 2018 (Crédito:Divulgação)