O correndo em ano de Copa do Mundo, a eleição presidencial sempre movimentou o País. É comum que as pessoas se envolvam mais no pleito que definirá o mais alto cargo do Executivo. Nas últimas eleições, por exemplo, o Brasil se dividiu. Dois anos depois, acontece um pleito igualmente importante, mas bem menos falado: as eleições municipais. Com a escolha de quase 5,6 mil prefeitos, a corrida nas cidades ocorre tradicionalmente no mesmo ano da Olimpíada. E assim como nos jogos olímpicos, possuem uma descentralização que ofusca a magnitude do evento. O fato é que a escolha de prefeitos e vereadores terá potencial econômico decisivo como nunca antes na história nacional.

Motor da microeconomia, as cidades refletem o lado mais nebuloso da desigualdade. São Paulo, por exemplo, a cidade mais rica do País, foi considerada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) a cidade mais desigual do Brasil no ponto de vista do emprego. Também é na capital paulista que reside a maior quantidade de moradores de rua. Dados que contrastam com a importância que a cidade possui para a economia brasileira.

Cientista político, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e conselheiro da Frente Nacional dos Prefeitos (FPN), Carlos Abraão é um dos que defende a escolha do prefeito e vereador como motores da retomada econômica. “Em um cenário hipotético, o governo lança um programa de capacitação para o emprego. Se a cidade não se organizar, fisicamente e financeiramente, de nada adianta um recurso da União”, disse.

DE CIM A PARA BAIXO Ao final de 2018, após ganhar a eleição presidencial, Jair Bolsonaro, em seu discurso de vitória, foi na mesma linha. “As pessoas vivem nos municípios, portanto os recursos federais irão diretamente para esses locais. Precisamos de mais Brasil e menos Brasília.” Na teoria, ele tinha razão. Quando criada a república federativa do Brasil, entendeu-se que a divisão se daria por meio da representatividade dos cidadãos por seus representantes eleitos e essa interface teria a figura de entes federativos que, apesar de unidos, têm autonomia. “Desde a redemocratização houve um excesso de centralização que dá a entender que o governo federal manda em tudo. Mas não é”, disse Abraão.

Crianças na economia Educação de qualidade e com materiais adequados ajuda os cidadãos, mas também incrementa a economia local. (Crédito:Divulgação)

Esse desentendimento, inclusive, reside na própria classe política. Mauro Lembo, professor de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP), divide os candidatos na esfera municipal entre os que têm boas intenções e articulação mínima, e os que possuem alto poder de articulação e intenções duvidosas. “Essa divisão tão clara tem um resultado certo: governos fisiologistas.” Para tentar romper o fisiologismo, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e membro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Edson Fachin falou a DINHEIRO que a Corte é categórica no combate à desinformação, boatos e fake news. “Bons prefeitos e vereadores formam um contingente democrático que visa melhorar a qualidade de vida de seus cidadãos e ampliar a atividade econômica respeitando a lei de responsabilidade fiscal.”

Estudos da Controladoria Geral da União (CGU) estimam que, ao ano, ao menos R$ 20 bilhões foram desviados nos recursos das cidades analisadas pelo órgão em 2018. A estimativa é que dois terços das cidades analisadas possuíam ao menos um caso de corrupção comprovada. A estimativa do órgão é que essa cifra possa ser multiplicada em até dez vezes dependendo do ano e da abrangência da pesquisa. Segundo Lembo, da USP, entender que o prefeito é um síndico, ou um zelador da cidade, é agir para facilitar a corrupção e vai na contramão da retomada econômica. “Um prefeito não é um síndico e sua função não é prezar pela zeladoria da cidade. Um prefeito é um gestor que precisa pensar de modo prático nas despesas, nos gastos e no combate frontal ao desvio e malversação de verbas”, disse. Segundo o ministro Fachin, ao menos 10 mil candidaturas de prefeitos já foram impugnadas no pleito deste ano. “É um trabalho árduo para tentar blindar o cidadão de candidatos que não respeitam as premissas democráticas.”

Dentro das receitas dos municípios estão inclusos IPTU, ISS, Fundo de Participação dos Municípios (FPM), ITBI. Há ainda uma parte do ICMS, do IPVA e da Cide que são arrecadados pelas cidades, além de repasses diretos feitos pela União. Para Abraão, da FNP, uma forma de a população entender os recursos da cidade e como eles ajudam na retomada econômica são os Orçamentos Participativos. Modelo de municipalização adotado em cidades como Barcelona, Lisboa, Paris e Toronto, o Orçamento Participativo nasceu em Porto Alegre, em 1989, pelo então prefeito Olívio Dutra (PT). Quando um bairro mostra que ao receber uma creche mais mães poderão trabalhar e o prefeito acata, todos agem para melhorar a economia. Quando um prefeito incita a formação de profissionais por meio de cursos ou melhora a qualidade do saneamento, mais pessoas se tornam aptas a girar a economia. Tudo isso pode acontecer sem o aval ou intervenção do governo federal.