Herbert Vianna disse, lá em 1984, na música Óculos, que “por trás dessa lente tem um cara legal”. É a história além da armação. E é justamente no conceito de associar a história ao produto que o empresário Caito Maia, CEO e fundador da Chilli Beans, enxergou a chance de minimizar o impacto do isolamento social e do fechamento do comércio em boa parte do ano. E deu certo. As vendas de óculos no e-commerce da companhia que tinham um vídeo de 10 segundos, falando da inspiração da coleção, tiveram resultado de vendas 48% superior aos itens comercializados no site apenas com uma foto. “Cada par de óculos tem uma inspiração. E contar essas histórias virou um DNA da nossa marca”, disse.

A empresa fechou 2020 com faturamento de R$ 550 milhões, contra R$ 600 milhões em 2019, queda de 9%, o que, para ele, representou um grande resultado. A perspectiva é de que, em 2021, a Chilli Beans já retome a receita do ano anterior à crise. Com o equilíbrio nas contas, Maia conseguiu fôlego pode colocar em prática um plano bem mais ousado: internacionalizar mais a marca. Com presença em nove países, como Estados Unidos, Portugal e Colômbia, o grupo de Caito Maia fechou acordo com uma rede de moda masculina alemã para abrir, nos próximos cinco anos, 64 lojas na Alemanha, Áustria, Suíça e em Luxemburgo. “Eles viram a Chilli Beans em anúncios de redes sociais e me procuraram”, disse. Segundo o empresário, três propostas de grupos da Índia estão em análise, além de Austrália e um novo franqueado no Oriente Médio. Hoje, a exportação representa 12% do faturamento da Chilli Beans. O objetivo é que, até 2026, represente 30%.

Com isso, a companhia prepara o terreno para alcançar R$ 1 bilhão de faturamento em 2023, e, em cinco anos, chegar a R$ 2 bilhões. O empresário também mira o mercado interno. Hoje com 917 lojas ‘vermelhas’, como são conhecidas, com uma tendência mais voltada ao público jovem, Maia vai investir em ópticas mais comuns, para trazer um público mais velho, ainda distante dos produtos da marca. “Em cinco anos, vamos ter 1,2 mil unidades vermelhas e outras 1 mil ópticas”, afirmou.

Uma das diferenças está no próprio estilo da loja, mais formal, com som mais baixo e atendimento mais personalizado. Se na versão conceitual da Chilli Beans há coleções assinadas pelo estilista Alexandre Herchcovitch, na óptica os óculos de grau serão inspirados na arquitetura brasileira. “Esse assunto fala com o consumidor mais velho.” Antes da quarentena, eram apenas três lojas nesse formato. Hoje são 70. “Constatamos que 84% que compram na nossa óptica nunca tinham entrado na Chilli Beans vermelha”, disse o fundador da marca.

Para atender essa rede, a empresa de Caito Maia irá contruir uma fábrica de lentes em 2022. A ideia é de que a unidade fique próxima à matriz, instalada em Extrema (MG). Os investimentos serão da ordem de R$ 25 milhões. O plano é de produzir 300 mil pares no primeiro ano da operação, chegando a 1 milhão no quinto ano.
DE GRAU EM GRAU Há uma explicação para o planejamento: com o trabalho remoto, o cuidado com a saúde ocular ficou mais evidente. Conferências por vídeo, mais tempo olhando para o telefone celular e tela do computador fizeram com que a procura por óculos de grau aumentasse.

MAIS LOJAS E NOVO PÚBLICO Com a pandemia e a necessidade de mais cuidados com a saúde ocular, a Chilli Beans resolveu investir em mais unidades para vendas de óculos de grau, além da criação de fábrica de lente. (Crédito:Divulgação)

Antes da pandemia, dos 3 milhões de produtos vendidos por ano pela Chilli Beans, 65% eram de escuros, 20% de grau e 15% de relógio. Hoje, o cenário é mais equilibrado. No meio do ano passado, quando tinha apenas 10% das 917 lojas abertas, Maia percebeu essa mudança. Os pedidos para óculos de grau alcançaram 40% das vendas. “Mudamos rapidamente o mix e conseguimos trazer esse faturamento. Entendemos o que o mercado queria naquele momento”, afirmou.

A percepção de Caito Maia também foi sentida pelo setor no Brasil. Segundo Ambra Nobre, diretora-executiva da Associação Brasileira das Indústrias Ópticas (Abióptica), o segmento óptico brasileiro chegou a registrar queda de 82% em abril do ano passado, no auge da crise, mas terminou o ano em recuperação, com receita de R$ 19,7 bilhões, queda de 16% de faturamento em relação a 2019, quando faturou R$ 23,2 bilhões. “A gente trabalhou muito para que as ópticas passassem a ser consideradas atividades essenciais logo nos primeiros meses, o que contribui muito para que as redes pudessem retomar o faturamento”, disse a executiva. Hoje há no Brasil 35 mil pontos de venda de óculos e acessórios.

Com o plano de expansão, Maia não descarta a abertura de capital. “O IPO é uma realidade que pode se concretizar nos próximos dois anos. Estamos entendendo o mercado e nos preparando.” A visão de futuro do dono da Chilli Beans segue bem clara. Sem necessidade de óculos.