Uma dieta consiste em abrir mão de pequenos prazeres em prol de um objetivo final. Sabendo disso, a Herbalife, empresa de nutrição global especializada na venda de suplementos, entrou no mercado há 40 anos com a promessa de oferecer produtos e alimentos voltados ao emagrecimento dos seus clientes. O que a companhia não desconfiava é que, na prática, ela própria teria dificuldades para se manter na linha. Isso porque, segundo investigações do Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ), a Herbalife falsificou livros e registros contábeis e pagou propina a funcionários do governo chinês, com o objetivo de obter, reter e aumentar os negócios da Herbalife no gigante asiático.

A companhia, que tem sede nos Estados Unidos e está presente em 90 países, é comandada desde abril

TRAMA NA ÁSIA Esquema de corrupção envolvia funcionários do governo chinês. (Crédito:Divulgação)

deste ano por John Agwunobi e admitiu a conduta criminosa, concordando em pagar uma multa criminal de US$ 56 milhões – 25% menos do que o inicialmente previsto, devido à colaboração com as investigações – e uma multa civil de US$ 67 milhões, totalizando US$ 123 milhões. “A Herbalife também se envolveu em medidas corretivas, incluindo demissão e punição de indivíduos que orquestraram a má conduta”, afirmou a nota divulgada pelo departamento de Justiça americano. Como consequência da confissão, as ações da empresa despencaram 12% na bolsa de valores de Nova York (NYSE), na sexta-feira (28), e chegaram a ter as negociações suspensas. A dieta forçada, entretanto, não parece preocupar muito a companhia, que registrou seu melhor trimestre em vendas líquidas da história, atingindo US$ 1,3 bilhão no segundo período de 2020. O valor representa um crescimento de 8,3% em relação ao segundo trimestre do ano passado, quando as vendas líquidas chegaram a US$ 1,2 bilhão. Em todo o ano de 2019, a empresa registrou US$ 4,9 bilhões em vendas líquidas.

As investigações comprovaram que o esquema de corrupção generalizada era comandado por funcionários do alto escalão da Herbalife Nutrition e da Herbalife China. O mecanismo violava a Lei de Práticas de Corrupção no Exterior (FCPA, na sigla em inglês) e aconteceu por quase uma década – entre 2007 e 2016 –, sendo respaldado pela falsificação de diversos documentos. “A Herbalife Nutrition manteve registros contábeis falsos para descaracterizar esses pagamentos indevidos como despesas comerciais permitidas”, disse a procuradora do Distrito Sul de Nova York, Audrey Strauss. O esquema de corrupção declarado buscava expandir a empresa no mercado chinês, que hoje está em quarto lugar no número de vendas – à frente somente do México e Américas Central e do Sul – registrando US$ 209,5 milhões de vendas líquidas no segundo trimestre deste ano, um crescimento de 12% em relação ao mesmo período de 2019, quando o registro foi de US$ 187 milhões.

A fraude funcionava por meio da obtenção e retenção de licenças de venda direta para as subsidiárias na China e também tinha a influência dos envolvidos em investigações governamentais chinesas sobre a conformidade da Herbalife China com as leis daquele país. O relacionamento com meios de comunicação estatais também sofria influências, com o propósito de remover relatos negativos da mídia sobre a Herbalife China. Em meio a acusações de corrupção, empresa registrou recorde histórico no número de Pontos de Volume, forma utilizada para medir o volume de vendas de cada consultor. O índice responsável por alavancar a posição dos colaboradores nas 11 categorias existentes cresceu 13,3% no segundo trimestre de 2020, quando alcançou 1,7 bilhão de pontos de volume ante, 1,5 bilhão no mesmo período do ano passado.

HISTÓRICO DE FRAUDES Essa não é a primeira vez que a companhia global de shakes fica nos holofotes mundiais por se envolver em fraudes. Em outubro do ano passado, a Herbalife firmou um acordo com a Justiça dos Estados Unidos, no valor de US$ 20 milhões, após ser acusada de mentir sobre o tipo de venda praticado no mercado chinês. A empresa alegava a realização de vendas diretas quando, na realidade, praticava o marketing multinível, proibido no país asiático. Em 2016, já em outro episódio, a Herbalife pagou US$ 200 milhões em um acordo com a comissão federal de comércio dos Estados Unidos (FTC, na sigla em inglês), concordando em alterar seu modelo de negócios e provar que 80% de suas vendas eram feitas para consumidores finais, ou seja, fora da sua rede de distribuição. Essa investigação, ainda em andamento, vai monitorar todas as práticas da Herbalife por sete anos. Resta saber se a Herbalife conseguirá se manter em forma até lá, sem cair nas tentações da vida mundana. Procurada pela DINHEIRO, a Herbalife Nutrition no Brasil não concedeu entrevista, nem respondeu sobre as acusações.

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