O maior complexo portuário da América Latina está no limite de sua capacidade de movimentação de cargas. Responsável por 30% do transporte da balança comercial brasileira, o porto de Santos tem capacidade para 162 milhões de toneladas ao ano, e até o fim de 2021 o movimento deve alcançar 150 milhões de toneladas. Mas hoje isso não é visto como um problema. A solução está no já em andamento pacote de investimentos da ordem de R$ 10 bilhões, até 2025, em recursos privados, para ampliar terminais. “Os leilões de arrendamento estão muito bem endereçados. A produção precisa ser escoada. Esses investimentos vão beneficiar a economia”, disse Fernando Biral, presidente da Santos Port Authority (SPA), empresa pública responsável pela gestão do porto santista.

Dos 11 leilões programados para concessão de terminais, quatro já ocorreram e dois deles estão planejados para novembro. Os outros cinco serão até 2022. No pacote também estão incluídos R$ 1,8 bilhão no sistema rodoferroviário e mais R$ 2,5 bilhões dos contratos atuais de arrendamento. “Com isso, nosso plano é chegar à capacidade de 240 milhões de toneladas até 2040.”

A necessidade da expansão não afeta em nada o bom desempenho do porto, que sequer foi impactado pela crise econômica provocada pela pandemia da Covid-19. Pelo contrário. No ano passado, a SPA fechou com receita líquida de R$ 1,1 bilhão (11,5% acima do registrado em 2019). O faturamento seguiu em alta no primeiro semestre deste ano, quando a companhia obteve receita de R$ 549 milhões. E 2021 caminha para ser o ano mais lucrativo da história. No primeiro semestre deste ano, a SPA lucrou R$ 170 milhões, próximo dos R$ 202 milhões registrados durante todo o ano de 2020. “Para nós, não há crise no porto. No ano passado, cresceu 10% de movimentação e os contêineres, que estacionaram em 2020, já registram alta de 20% neste ano”, afirmou o executivo. A média anual de crescimento de tonelagem do porto, entre 2009 e 2021, chega a 5%, bem acima do PIB (Produto Interno Bruto), que registrou alta média de 1,2% ao ano.

Para alcançar esse resultado, a empresa também fez um plano rígido de redução de custos. Em três anos, as despesas administrativas caíram 36,4%, de R$ 88 milhões, no primeiro semestre de 2018, para R$ 56 milhões nos primeiros seis meses deste ano. “Isso inclui despesas de pessoal e representou grande redução de custos. Também relicitamos contratos e fizemos contratações mais baratas”, disse o presidente da SPA.

O bom cenário da companhia hoje, que envolve a receita em caixa registrada no primeiro semestre deste ano de R$ 1 bilhão (quase oito vezes mais que o observado nos primeiros seis meses de 2018, quando fechou com caixa de R$ 138 milhões). Até 2018, a empresa era deficitária. “Tinha contas como déficit previdenciário e isso não era reconhecido no balanço. Uma empresa de infraestrutura precisa ter lucro e gerar caixa para fazer investimentos. E havia ineficiência na gestão do porto”, disse o dirigente da autoridade portuária.

Claudio Gatti

“Hoje a gente tem uma administração técnica e colegiada. Indicações políticas fazem parte do passado” Fernando Biral, pres. do Santos Port Authority.

Segundo Biral, nos últimos 20 anos, e até 2018, o Tesouro Nacional aportou algo em torno de R$ 1 bilhão, isso em valores nominais. Isso significa receber recursos públicos que poderiam ser direcionados para outros setores. “O porto disputava parte do orçamento da União com educação e saúde, por exemplo.”

Hoje o porto navega em um mar calmo. A SPA chega com um caixa sólido para o processo de desestatização da gestão portuária em Santos, que deve ser concluído no segundo semestre do ano que vem. Em novembro, será divulgado o valor de outorga. Como investimento obrigatório, também estará listado no pacote a construção de um túnel entre Santos e Guarujá, no valor de R$ 3,5 bilhões.

Ainda que a conclusão desse processo aconteça no meio de uma acirrada corrida eleitoral, Biral não acredita que a privatização possa ser afetada pelo calor político de 2022. “Hoje a gente tem uma administração técnica e colegiada. Indicações políticas fazem parte do passado”, afirma Biral. O presidente garante que o porto está pronto, do ponto de vista financeiro, para a privatização. “Passamos por diligências e tudo foi mapeado. Não tem nada embaixo do tapete e a gente está em outro patamar de transparência e governança.” A iniciativa privada vai trazer, acima de tudo, mais agilidade nas contratações e nas execuções de projetos importantes, como dragagem e sistema logístico.

Mas nem tudo são flores. O consultor portuário e sócio-diretor da Agência Porto Fabrizio Pierdomenico, diz que há muitas respostas que precisam ser respondidas pelo poder público antes da concessão. “Boa parte da gestão portuária em países como Estados Unidos e outros da Europa ainda está na mão do setor público. Não sou contra a concessão, até porque há modelos públicos e privados no País, mas é necessário equilíbrio”, disse. “A autoridade pública negocia e garante a harmonia entre os interesses público e privado dentro do porto. Precisa saber se um player privado vai conseguir fazer isso.” De qualquer forma, o plano de navegação do maior porto do Hemisfério Sul está pronto. E aponta para frente. Resta só puxar a âncora.