Usuários de planos de saúde sabem muito bem que preço baixo não costuma caminhar ao lado de atendimento de qualidade e ampla rede de cobertura. Tanto é que as queixas contra as empresas do setor lideram o ranking do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), com quase 25% das reclamações, muito à frente dos bancos (18%) e operadoras de telefonia (15%). É nesse nicho que o empresário José Seripieri Filho, fundador da Qualicorp, de vendas e gestão de planos de saúde coletivos por adesão, vai atacar. Um ano depois de deixar a companhia que criou, Junior, como é conhecido, está lançando uma operadora de convênio médico, o Qsaúde, que já demandou investimentos de mais de R$ 120 milhões. “Vi que é preciso fazer uma mudança. O cliente não aguenta mais pagar por um plano que, de verdade, não está nem aí para a saúde dele”, afirmou o empresário à DINHEIRO.

A ideia é criar uma cobertura médica diferente daquelas que Junior, 52 anos, vendeu nos seus mais de três décadas no comando da Qualicorp. A ideia começou a ser estruturada no começo deste ano, antes da pandemia, quando o executivo adquiriu a marca QSaúde da própria Qualicorp e recebeu sinal verde da Agência Nacional de Saúde (ANS) para operar nesse mercado. Um contrato de não competição entre ele e a Qualicorp impede o empresário de concorrer no mesmo segmento, mas as empresas seguirão atuando em áreas distintas e complementares.

A decisão de lançar um plano de saúde foi acelerada pelo executivo depois de uma experiência própria. Ele testou positivo para a Covid-19, em março, e precisou ser internado por sete vezes e passar por algumas cirurgias. “Fiquei muito mal e tive diversas sequelas em consequência da doença”, afirmou o empresário, que hoje se diz recuperado. “Meu plano nunca me ligou para saber qual era a minha situação. Ele só paga a conta. Por isso, agora trago de volta o plano individual numa base de linha de cuidados médicos que olha para o cliente”, disse.

O grande desafio será fazer a conta fechar. A Qsaúde chega ao mercado com uma rede credenciada compacta, formada por médicos e hospitais de primeira linha. Em um primeiro momento, o plano será ofertado apenas na modalidade individual na cidade de São Paulo, com preços entre R$ 246,4 e R$ 3,2 mil. A gestão de custos precisará ser operada cirurgicamente. A inflação médica, que serve de parâmetro para aplicação dos reajustes, é três a quatro vezes superior à inflação geral no Brasil. Isso explica porque apenas 25% da população possui convênio, dos quais 65% estão em planos empresariais e só 9% em contratos individuais. A oferta desse tipo de plano é escassa porque o reajuste é controlado pela ANS, o que, segundo as operadoras, torna o produto sem rentabilidade. Porém, especialistas do setor afirmam que o plano individual é rentável, desde que tenha uma boa gestão.

ALTO PADRÃO A ideia é aliar preços atraentes a serviços de grandes hospitais, como Albert Einstein, HCor, Pro Matre, Santa Joana e Oswaldo Cruz. (Crédito:Beto Assem)

O pulo do gato, segundo Junior, será o serviço chamado de médico de família da Clínica Einstein. A modalidade, que ajuda a reduzir agravamento de doenças e idas desnecessárias aos hospitais, é bem conhecida em países como Alemanha, França e Itália, mas pouco utilizada no Brasil. Esses profissionais encaminharão o paciente, se necessário, para um especialista. “Saúde não é luxo. É necessidade. E o brasileiro tem de ter direito a um plano de saúde”, afirmou. “Adquiri uma enorme experiência e vi o que é preciso fazer para melhorar o atendimento ao cliente. E estou fazendo”, disse.

A nova empresa, de acordo com a modalidade do plano contratado, vai oferecer atendimento em hospitais renomados, como Albert Einstein, HCor, Hospital dos Olhos, Oswaldo Cruz, Santa Catarina e as maternidades Pro Matre, Santa Joana e Santa Maria. Os laboratórios credenciados para exames serão Delboni, Lavoisier, Salomão Zoppi, além do próprio Einstein. Além de atrair os clientes insatisfeitos com as outras operadoras, a Qsaúde quer trazer de volta para a cobertura privada pessoas que perderam cobertura por desemprego ou dificuldade financeira durante a pandemia. Pelos cálculos do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), o setor foi fortemente impactado pela crise econômica e perdeu cerca de 254 mil beneficiários este ano. “Ainda é cedo para determinar o comportamento do mercado para os próximos meses. Mas, com a retomada de alguns setores da economia, a tendência é de estabilidade e ligeiro crescimento no setor de planos de saúde”, disse o analista do setor, Leonardo Venâncio. “Há uma forte demanda de procedimentos eletivos que foi reprimida diante do cenário de medo e incertezas vivido nos últimos meses.”