O longo depoimento do diretor-executivo da Prevent Senior, Pedro Batista Júnior, à na CPI da Covid no Senado, na última quarta-feira (23), é a face mais escancarada de uma crise instalada na operadora de saúde desde o início da pandemia da Covid-19. Crise de gestão e, principalmente, de imagem. A principal acusação que cai sobre o colo da empresa comandada por Fernando Parrillo e que hoje tem uma carteira com 550 mil clientes — e média de idade de 68 anos — é a ocultação de mortes de pacientes pela doença em estudo realizado, sem autorização de familiares, que envolvia tratamento com o chamado kit Covid. O coquetel incluía drogas como hidroxicloroquina e cloroquina, que já tiveram eficiências descartadas pelas principais agências sanitárias internacionais, entre elas a Organização Mundial de Saúde (OMS).

Também há investigação sobre denúncia de que a empresa teria pressionado os médicos a receitar tratamento precoce, tese defendida à exaustão pelo presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores. O protocolo da empresa também incluía sessões de ozonioterapia, prática sem qualquer tipo de comprovação científica para tratamento de Covid-19. Ex-funcionários da operadora entregaram um dossiê a integrantes da CPI com documentos que mostram as ilegalidades. Também foram apresentados atestados de óbito fraudados para omitir mortes pela doença nos hospitais da empresa.

A Prevent Senior é alvo de uma investigação do Ministério Público e da própria Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que na sexta-feira (17) realizou diligência em um dos endereços para apurar o cerceamento da atividade médica de prestadores vinculados à operadora. Uma equipe do órgão de controle coletou documentos para o processo que tramita na ANS. Foi concedido um prazo de cinco dias úteis para que a empresa apresentasse o restante da documentação. Em última instância, caso sejam comprovadas as ilegalidades, a agência pode decretar intervenção na operadora de saúde.

Investigações apontam que a Prevent Senior deixou de notificar sete óbitos pela doença no estudo realizado com os pacientes, sem permissão para isso. Em abril do ano passado, Bolsonaro chegou a divulgar em suas redes sociais parte do levantamento realizado pela empresa, antes mesmo da conclusão do trabalho. Para o presidente negacionista, era um caso de sucesso do tratamento. No estudo original, duas pessoas que foram tratadas com hidroxicloroquina morreram de Covid. Segundo os documentos apresentados à CPI, nove pacientes vieram a óbito. No discurso da abertura da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), na terça-feira (21) em Nova York, Bolsonaro voltou a defender publicamente o tratamento precoce sem eficácia.

Na denúncia, médicos afirmaram que o estudo, envolvendo cerca de 700 pacientes, não tinha autorização da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), o que já é caracterizado como uma irregularidade grave. Na CPI, o diretor-executivo da Prevent Senior negou que a empresa tenha feito estudo sem autorização. “Ex-médicos da Prevent manipularam dados de uma planilha interna de acompanhamento de pacientes para tentar comprometer a operadora. Os profissionais, já desligados, passaram a acessar e editar o documento, culminando no compartilhamento da planilha”, disse. “Não houve testagem em massa. Em momento algum foi incitada uma situação como essa”, afirmou Batista Júniors aos senadores. Ao fim do depoimento, o relator da CPI, senador Renan Calheiros, informou que o executivo deixaria a condição de testemunha para se tornar investigado.

PESSOA JURÍDICA Em resposta à DINHEIRO, a Prevent Senior informou que “todos tinham ciência da medicação, mas não era um estudo”, e sim um compilado de dados sobre a evolução dos pacientes. A empresa também afimrou “sempre repeitar a autonomia médica”.

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“O que a gente quer saber é se as famílias foram avisadas. precisa ser garantido o direito à informação” Fernando Capez, Presidente do Procon-SP.

O presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp), Victor Vilela Dourado, disse que a entidade lançou uma carta aberta aos médicos que trabalham ou que tenham atuado na operadora de saúde para que denunciem ações capazes de ferir a autonomia profissional. “Existem instituições públicas que estão encaminhando as investigações e queremos contribuir com elas tão somente para defender os direitos dos médicos”, disse o dirigente, no documento. “É prática comum da Prevent Senior a vinculação de médicos através do regime de Pessoa Jurídica, o que aumenta a vulnerabilidade desses profissionais.”

Outro escândalo que veio à tona a partir da oitiva dos senadores e que mostra aproximação política do grupo empresarial com Bolsonaro foi a revelação de que o atestado de óbito da mãe do empresário bolsonarista Luciano Hang, dono da Hang, que morreu por Covid em um hospital da rede foi modificado para não prejudicar o estudo sobre a eficácia do tratamento precoce. Convocado pela comissão parlamentar de inquérito, Hang irá depor aos senadores na quarta-feira (29).

A OPERADORA E O MESSIAS Defensor do tratamento precoce e do uso da cloroquina, o prresidente Jair Bolsonaro chegou a anunciar, em suas redes sociais, parte do resultado do estudo da Prevent Senior e disse que era um caso de sucesso. (Crédito:Pedro Ladeira)

O estudo também escondeu a morte por Covid do médico pediatra Anthony Wong, em janeiro. A versão divulgada foi a de que ele teria morrido por parada cardiorrespiratória. Mas, segundo informações do prontuário, funcionários que prestaram atendimento ao médico mantiveram sobre o tratamento adotado e a causa da morte. Wong era um dos profissionais de saúde mais seguidas por bolsonaristas nas redes sociais, já que ele fazia vídeos em que negava a existência da pandemia.

O Procon-SP notificou a Prevent Senior para apresentar a íntegra do estudo citado na denúncia e comprovar que os pacientes tinham total conhecimento de que foram alertados sobre os riscos do tratamento a que estavam sendo submetidos. Se for comprovada a irregularidade, o órgão de defesa do consumidor pode aplicar multa de até R$ 10 milhões à empresa.

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“O episódio narrado na CPI se soma a outros quem fazem referência, em tese, a práticas criminosas” Renato Ribeiro de Almeida, advogado.

O presidente do Procon-SP, Fernando Capez, afirmou que a principal questão a ser levantada é como o assunto foi tratado no hospital e se realmente faltou transparência. “O que a gente quer saber é se as famílias foram avisadas do tratamento e se atualmente esses medicamento continuam sendo usados. O que precisa ser garantido é o direito à informação”, disse. “Se isso não ocorreu, a Prevent Senior está incorrendo no abuso à vulnerabilidade do consumidor.” O Ministério Público vai propor Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para que a empresa se comprometa a não usar mais o kit Covid como tratamento a pacientes.

No depoimento, Batista Júnior admitiu outra irregularidade cometida pela Prevent Senior: alterar o Código Internacional de Doenças (CID) para pacientes diagnosticados com Covid. Segundo o advogado Renato Ribeiro de Almeida, membro da Comissão de Direito Eleitoral da subseção São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), a acusação é extremamente forte do ponto de vista jurídico. “O episódio narrado na CPI se soma a outros que fazem referência, em tese, a práticas criminosas. Mais um depoente se complica e sem foro privilegiado”, disse. “Mudar a CID para finalidade política é bastante grave e precisa ser muito bem apurado.”