As mudanças climáticas levarão um grande número de animais a fugir de seus ecossistemas. Mas ao se misturarem dessa forma, as espécies vão transmitir mais vírus, favorecendo o aparecimento de novas doenças potencialmente transmissíveis ao ser humano, prevê um estudo.

“Proporcionamos evidência de que nas próximas décadas o mundo não só será mais quente, mas também mais doente”, adverte Gregory Albery, biólogo da Universidade de Georgetown em Washington e coautor do estudo publicado nesta quinta-feira (28) na revista Nature.

A pesquisa, que cruzou vários modelos climáticos, dados sobre a destruição de hábitats naturais e a forma como os vírus são transmitidos entre as espécies, desenha um cenário sombrio para o futuro do planeta nas próximas cinco décadas.

Segundo os autores, um futuro irreversível, inclusive se o aquecimento global se limitar a 2ºC, afirmam os autores.

As investigações, feitas durante mais de cinco anos, revelaram a interrelação entre as mudanças nos ecossistemas e as transmissões de doenças.

O estudo foi feito levando-se em conta um total de 3.139 espécies de mamíferos, sendo esta classe de animais a que abriga uma grande diversidade de vírus suscetíveis de serem transmitidos aos humanos.

Cada vez mais animais selvagens fogem de seu hábitat, que se deteriora devido ao aumento das temperaturas, da regressão das florestas tropicais, o avanço da urbanização e das áreas cultivadas e o tráfico de espécies silvestres.

Os animais “emigram” para novos territórios, mais favoráveis à sua presença, mas correm o risco de se deparar com espécies desconhecidas para eles.

Desta forma, os ecossistemas se redistribuem geograficamente e poderiam ocorrer mais de 300.000 “primeiros encontros” entre espécies.

Ao se misturarem pela primeira vez, estes mamíferos formarão novas comunidades, um terreno fértil para novos cruzamentos de infecções, essencialmente virais.

– Morcegos como vetores –

O estudo lança luz sobre uma futura “rede” de vírus que saltará de espécie em espécie e aumentará à medida que aquece o planeta. A pesquisa prevê ao menos 15.000 transmissões virais entre espécies.

Neste cenário, os morcegos desempenham um papel central, já que abrigam um alto número de vírus, mas sem desenvolver a doença. No entanto, podem infectar os humanos através de outro animal, um processo denominado zoonose, na origem de várias epidemias, como a de sars, covid-19 ou ebola.

Os morcegos têm, ainda, um grande potencial de dispersão do vírus e podem infectar um grande número de espécies com as quais se encontram pela primeira vez.

O panorama é mais preocupante quando se sabe que pelo 10.000 vírus capazes de saltar para os humanos circulam atualmente “de forma silenciosa” entre mamíferos selvagens, destaca o estudo.

A pesquisa também indica onde ocorrerão estes processos: África tropical, sudeste asiático e zonas onde a população humana será mais densa em 2070.

A região do Sahel, as terras altas da Etiópia e o vale do Rift, Índia, no leste da China, Indonésia e Filipinas também serão afetadas, assim como algumas populações da Europa central.

Mas as mudanças climáticas ocorrem de forma tão rápida que “estão criando incontáveis zoonoses perigosas à nossa porta”, adverte Colin Carlson, coautor do estudo e e investigador da Universidade de Georgetown.

O cientista compara o processo a uma “bola de neve” sacudida. Segundo ele, é tarde demais para reverter a tendência, mas é necessário “reconhecer que a mudança climática será o principal vetor da emergência de doenças e por fim preparar nossos sistemas de saúde”.