Pense num país com a letra P… É outro. Existem coisas insignificantes no mundo. Palau poderia ser uma delas. Minúsculo e distante, sob qualquer referencial, se tornou independente apenas em 1994. Antes, chegou a ser da Espanha, que o vendeu à Alemanha, que o perdeu para o Japão, que o perdeu para os Estados Unidos. Só nesse ínterim esteve sob nova direção quatro vezes. Palau tem ali seus 18 mil habitantes e um PIB de US$ 257 milhões (2020). Peguei aleatoriamente um município brasileiro com a letra P na inicial: Pompeia (SP). Segundo o IBGE, seu PIB foi de uns US$ 243 milhões (2019). Um Palau, só que maior, já que tem 45 mil moradores.

Pois Palau (por que não a cidade de Pompeia?) teve direito a voto em múltiplas assembleias gerais da Organização das Nações Unidas. Na pauta, ele decidia questões como a manutenção ou não do embargo econômico que os americanos praticam contra Cuba desde o começo dos anos 60. Vingancinha de democratas, nascida com o presidente John Kennedy um ano antes de sua morte, e que provoca uma asfixia à economia cubana. A cada ano, o governo palauense votava ora contra o fim do embargo, ora se abstinha, mas nunca votava por seu fim. “Dane-se, Cuba”, era o recado nítido. Seguia basicamente o que Washington, de quem é financeiramente dependente, mandava fazer.

Quase duas centenas de nações votam o tema embargo à Cuba durante a Assembleia Geral da ONU desde o distante 1992 — exceção a 2020, por causa da pandemia. Praticamente todos os países escolhem pelo fim do embargo, incluindo aliados históricos dos americanos, como o Reino Unido. Junto de Washington costumam votar apenas Israel e franquias do tipo Palau e Ilhas Marshall. Ah, e o Brasil, que em 2019 seguiu o bonde — no ano passado, o governo Bolsonaro se absteve, ao lado de Colômbia e Ucrânia, e nem Palau embarcou mais nessa.

Além disso, havia uma longa tradição na diplomacia brasileira, a de não interferência em assuntos internos de outros países. Comportamento considerado exemplar e globalmente elogiado. O País não se envolveu diretamente, por exemplo, nas votações do Conselho de Segurança que levaram à invasão da Líbia e à Guerra Civil que varre a Síria há mais de uma década.

Como instituição, o itamaraty sucumbiu. na essência, bastou um comando desprezível para que toda uma história derretesse.

O desmonte histórico dessa postura teve início neste governo, para total e absoluta surpresa de ninguém. Começou com a falta de educação da dupla Jair Bolsonaro & Paulo Guedes com a primeira-dama francesa e seguiu com comentários inadequados a eleições de vizinhos, com ataques arrogantes ao Mercosul, com piadas xenófobas contra chineses. Como instituição, o Itamaraty sucumbiu, revelando que na essência bastou um comando desprezível para que uma história derretesse latrina abaixo.

O resultado disso tudo será também, e no fim das contas, econômico. Por mais que jamais Pequim assuma, lá vêm mais restrições a produtos brasileiros. Mercosul com União Europeia? Apenas se Bolsonaro tiver vazado da cadeira, caso contrário é melhor esperar sentado. Participação em organismos internacionais como a OCDE? Até os finados (literais ou não) Ernesto Araújo e Olavo de Carvalho sabem que não será em breve.

O país do caldo cultural multiétnico virou a pátria do “vai pra Cuba”, “aqui nunca será a Venezuela”, “morte a Moïse Kabagambe”, o jovem congolês de 24 anos assassinado covardemente no Rio de Janeiro. Passo a passo a gente vai deixando o protagonismo, que nunca ocupamos integralmente, mas do qual estávamos mais próximos, para virarmos player marginal no campo geopolítico. Só continuamos no tabuleiro porque somos mais de 210 milhões — marcas globais nos querem porque somos muitos, não porque somos “consumidores qualificados”. Ao jogar no lixo seu caráter, o Brasil não percebe que se esfarela como nação. Vai custar muito esse resgate.