Um mérito o governo Bolsonaro deixará como legado. Ele foi capaz de produzir, em pouco mais de 30 meses, um mergulho a um lugar em que o Brasil contemporâneo nunca esteve: a Era Medieval. Bastava olhar os gestos para saber os modos dessa gente. Era, e sempre será, uma questão estética. Porque gosto se discute. Só que dá trabalho e leva tempo (estética é ética e é técnica). Já dava para constatar a prevalência desse cafonismo nas referências preconceituosas de Jair Bolsonaro e Paulo Guedes a Brigitte Macron, a mulher do presidente francês. Nunca houve, no entanto, algo aleatório nisso tudo. Existe método por trás da loucura destes senhores. Desde a tuitada irresponsável (mas com objetivo claro) e inconsequente (mas com consequências planejadas) do ex-chefete militar Eduardo Villas Bôas, em 2018. O que a arrogância deles não esperava, e o mercado parece perceber somente agora, é que os caras seriam bem ruins na condução da economia. Isso porque cometeram o erro juvenil de pensar que os números estariam descolados de todo o resto — gestão ambiental, saúde, diplomacia e educação. Como se a economia não fosse se contaminar. Pareciam seguir uma fala do magistral italiano Umberto Eco (1932-2016): “Mentir sobre o futuro produz história”. O que eles fazem há quase três anos é mentir sobre o futuro.

Desta vez, a boca a destravar ignorância é a do pastor e ocupante da cadeira de ministro da Educação, o senhor Milton Ribeiro. Dia 9 de agosto, disse que “universidade deveria ser para poucos”. Nem original foi, já que ecoava o primeiro titular da pasta neste governo, o esquecível Ricardo Vélez. Na mesma entrevista, afirmou outra besteira: “No passado, não se falava em atenção ao deficiente. Simples assim. A criança com deficiência colocada dentro de uma sala de alunos sem deficiência não aprendia. Ela atrapalhava.” Ribeiro até tentou dar contexto. Mas não há contexto a ser dado. As duas declarações ministeriais demonstram que Paulo Guedes tem muito a se preocupar. Tanto o tema 1 (mais gente na universidade) quanto o tema 2 (mais pessoas com deficiência incluídas em todas as esferas) são combustíveis para uma economia forte e saudável. Num país de pibinhos, como o nosso, seria bom olhar para o crescimento com mais profissionalismo.

Para ficar no campo da ciência e da argumentação com dados, recomendo a Ribeiro dois documentos recentes: um sobre o aumento de renda e empregabilidade para cada ano a mais no ensino superior (https://bit.ly/3k93xeo) e outro, da Unicef, intitulado Combatting the Costs of Exclusion for Children with Disabilities and their Families, sobre os ganhos com políticas inclusivas a pessoas com deficiência (https://uni.cf/3k857x8).

O nível de patetismo dessa turma é tão gigante que não justificava a paralisia do mercado, que apenas agora parece despertar para duas situações inevitáveis — e previsíveis. A primeira é que a teoria da profecia autorrealizável de um crescimento exponencial parece ter sido assimilada de que não existirá. A segunda é que a responsabilidade fiscal saiu definitivamente de cena. Nesse sentido, o Boletim Focus divulgado na segunda-feira (16) foi claro: a expectativa de IPCA passou a barreira dos 7% e caminha para ficar no dobro da meta (3,75%) e, além disso, a curva de alta do PIB teve sua primeira inflexão. Suave, mas suficiente para fazer a ponta da seta inclinar para baixo. Ah, e por mais xiliquinhos que o senhor Guedes tenha com o IBGE, e usando os dados que quiser usar, a legião de brasileiros sem emprego não vai descolar dos 15 milhões facilmente.

Finalmente está evidente que a economia não é um campo isolado do corpus social e político, como muitos agentes do mercado pareciam pensar ou queriam acreditar. Ainda menos num país em que o Estado tem o tamanho desproporcional do nosso e a irresponsabilidade parlamentar prepondera, sendo o único lugar do planeta em que liberalismo é ofensa e no qual político liberal é estatizante. O País seguirá sem plano de voo que aponte para o crescimento. Não vai ser fácil arrancar essa gente de Brasília, é fato, mas o mercado ter precificado isso não deixa de ser boa notícia e, paradoxalmente, bom para a economia. Ajuda a diluir o estado de susto em que o Brasil mergulhou. “E nada dá mais coragem aos medrosos do que o medo dos outros”, afirmava Eco. Parece estar claro a todos que essa gente assustadora é só uma turma de maus modos e péssimo senso estético.

Edson Rossi é redator-chefe da DINHEIRO.