Não se pode reduzir o significado do jantar que Jair Bolsonaro teve com empresários em São Paulo na quarta-feira (7). E há duas maneiras de ler o que se passou. A primeira é olhar para o passado. Será a leitura positiva. Assim que a repercussão do encontro começou a ser retratada como apoio do capital ao capitão, inúmeros outros líderes empresariais passaram a afirmar que não apoiam o chefe do executivo coisa nenhuma. Isso é bom porque desmonta algo que no Brasil sempre foi uma inverdade: a de que os empresários são uma coisa única, como um bloco sempre unido e que pensa da mesma maneira. Nada mais errado. A segunda forma de interpretar o jantar é olhando para o que virá. O tal do futuro. E essa será a leitura negativa. Porque para boa parte da liderança corporativa brasileira ouvida pela DINHEIRO não apenas 2021 vai se desenhar pior do que o imaginado. Muitos afirmam que 2022 também será um ano ‘adiado’. “No Brasil, até o final de 2022 não precisamos pensar duas vezes antes de investir. Precisamos pensar 50”, disse um grande empresário do ramo da construção civil.

Cada vez mais isolado nas próprias angústias e limitações cognitivas, e na obsessão pela reeleição a qualquer preço, Bolsonaro conseguiu se fazer ainda menor desde que foi alçado ao mais alto posto da República. O problema é que em um efeito dominó, tudo que depende direta ou indiretamente do andamento do governo também encolheu, criando uma letargia generalizada. Os dados do Índice de Confiança divulgados pela Fundação Getulio Vargas (FGV) não deixam dúvidas. Em março, todos recuaram. O do Consumidor ficou em 68,2 pontos (queda de 9,8 pontos sobre fevereiro). O da Indústria está em 104.2 pontos (retração de 3,7 no mês a mês). E o do Comércio desabou: 72,5 pontos (18,5 pontos menor que o do mês anterior). Os indicadores da FGV seguem uma escala de 0 a 200 e abaixo de 100 demonstram impressões negativas. O reflexo no investimento privado será inevitável também no biênio 2021-2022. A Formação Bruta de Capital Fixo medida pelo IBGE recuou 0,8% no ano passado em relação a 2020. Como o setor público está estrangulado para investimentos e acessar vacinas ficou tarde – já que deveriam ser compradas há um ano –, o horizonte é de perfeita tempestade.

AMIGOS, AMIGOS… Jair Bolsonaro e Luciano Hang, dono na Havan. Empresário foi um dos primeiros e mais fiéis arautos da campanha presidencial de Jair Bolsonaro. (Crédito:Mateus Bonom)

Prontos para outros 20 meses desafiadores, o setor produtivo e seus representantes poupam energia para entrar saudáveis no próximo ciclo econômico, previsto só para 2023. Uma das maiores holdings de franquias do País tem um plano traçado de crescimento. Mas ele só começa em 2023. “Até lá nosso objetivo é não perder franqueados, lojas, nem marcas”, disse. De acordo com essa liderança, que comanda mais de dez marcas no Brasil, eles suspenderam a inauguração de novas unidades este ano. Para 2022, as aberturas serão controladas. “Tudo será altamente premeditado. Não há espaço para erros neste momento”. E mesmo que a vacinação em massa ocorra ao longo do ano, a expectativa é que nada de muito diferente aconteça em 2022. “Ainda que haja a vacinação, dificilmente a renda voltará em 2022. ”, afirma.

Há setores que sofrem ainda mais, pois a interlocução com o Poder Executivo é inevitável. Também em condição de anonimato – posicionar-se abertamente contrário a um governo de Jair Bolsonaro pode provocar todo tipo de reação do presidente –, um grande empresário do ramo da construção civil afirmou ter sido procurado por assessores palacianos para tratar sobre a reativação do programa habitacional Minha Casa Minha Vida, que na época estava em vias de mudar de nome para Minha Casa Verde e Amarela. Depois de declinar o convite o empresário conta que os planos de investimentos de modo geral ficaram congelados. “Nós crescemos muito com habitação popular e agora o mercado está parado”, disse. Na avaliação do empresário ainda que haja crédito no mercado levará entre dois e quatro anos para que haja uma reação consistente. No ramo da tecnologia, nem mesmo a transformação em curso basta para sustentar um otimismo exacerbado. O fundador de uma das maiores empresas brasileiras do setor confidenciou à reportagem o temor de precisar rever o projeto de internacionalização da empresa. “Tinhamos planos de chegar ano que vem nos Estados Unidos com um projeto em Miami para latinos. O plano precisou ser revisto para 2024”, disse.

Esse tipo de afirmação mostra a desconfiança dos empresários nos caminhos que a economia vem tomando. O estilo Jair dinamitou qualquer traço de confiança. E confiança é a base para qualquer negócio. Hoje temos bolsonaristas convictos, os que não querem se indispor e os que transitam entre a confiança a repulsa. Para Elsio Carlos Lins, ex-secretário de políticas de fomento empresarial do extinto Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, o jantar de 7 de abril deu pistas de que o presidente Jair se apequenou aos olhos do capital. “A maior prova disso é que nenhum deles veio a público confirmar qualquer tipo de apoio à Bolsonaro”, disse. Em sua avaliação, não há, desde o começo do governo, grandes ligações entre empresas e a gestão federal. “O governo precisa ser parceiro do empresariado.”

LOJAS FECHADAS Em uma tentativa de atrair a simpatia dos empresários para o seu lado, Bolsonaro criticou política dos estados de fechar comércios. (Crédito: Igor do Vale)

SILÊNCIO A situação é tão desconcertante que mesmo as entidades empresariais parecem anestesiadas e sem ação. Procurados pela reportagem, Confederação Nacional do Agronegócio (CNA), Confederação Nacional do Comércio (CNC), Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) preferiram não entrar no tema. Ou deram respostas vagas como “a entidade colabora com a sociedade”. Isso pode ser um terreno perigoso. Não existe vácuo. Em momentos de crise, posicionamentos são a única forma de enfrentá-la. Isaías Lopreto, doutor em história do Brasil e professor da Universidade de Economia e Negócios do Chile, condena a opção. “As empresas precisam atravessar governos, por isso as entidades devem atuar nessa questão.” Segundo ele, historicamente as entidades agem em situações como esta. “A redemocratização foi comemorada. A Constituição também. Elas também pressionaram pela saída do Collor e pediram o impeachment de Dilma.” O silêncio e a paralisia de hoje terão seu preço. Assim como o de ontem nos privou de ter vacinas.