O semblante de surpresa dos integrantes da equipe econômica do governo nos últimos dias, principalmente o do ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia) e o de Paulo Guedes (Economia), contrasta com a postura negacionista dos últimos meses diante dos diversos alertas de que o país vive a iminência de um colapso energético com a pior crise hídrica dos últimos 91 anos. Os reservatórios das hidrelétricas do Sudeste e Centro-Oeste com apenas 15,4% da capacidade, volume menor do que o registrado na crise de 2001, vai agravar ainda mais o cenário econômico. Além de aumentar a conta de energia, que terá reajuste médio de 6,78% já neste mês, a falta de planejamento adiciona ao setor produtivo a ameaça de racionamento compulsório. E ainda que Albuquerque esboçasse publicamente alguns sinais de que o problema era grave, uma ordem vinda direto da sala do mais alto comando da República definiu que a comunicação e o alarde sobre o tema ficassem para depois de terça-feira (7 de setembro) — quando vão ocorrer as manifestações a favor e contra Bolsonaro.

Ao ministro de Minas e Energia coube apenas algumas falas patéticas sobre um tema que, com a tecnologia que temos hoje, poderia ter sido previsto e mitigado ao longo dos últimos meses. Segundo Albuquerque, a condição hidroenergética se agravou porque “o período de chuvas na região Sul foi pior que o esperado”, disse, quase constrangido, em rede nacional. Para enfrentar o problema quando ele já multiplicou — prática comum deste governo — foi criada a “bandeira tarifária escassez hídrica” pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) que eleva em 49,63% (para R$ 14,20) o adicional para cada 100 kW/h consumidos. No fim de junho, o órgão regulador já havia reajustado a bandeira tarifária vermelha patamar 2 (de R$ 6,24 para R$ 9,49 a cada 100 kW/h consumidos), alta de 52%. A previsão é que a nova classificação permaneça em vigor até 30 de abril de 2022.

INSEGURANÇA O diretor-geral da Aneel, André Pepitone, disse que a metodologia atual da agência para calcular o valor das tarifas não capta a crise hídrica, por isso houve urgência em adotar a nova bandeira. “Temos um custo adicional de R$ 8,6 bilhões que não está previsto na metodologia da Aneel”, disse. Para o economista André Aragão, a decisão revela a gravidade da insegurança energética, e como isso pode terminar. “Provavelmente passaremos por racionamento.” A possibilidade ficou mais evidente quando o vice-presidente Hamilton Mourão tratou a questão como algo com grandes chances de acontecer no futuro próximo.

Mesmo que o governo finja ter sido pego “de surpresa” não será por falta de aviso que o Brasil ficará no escuro. Em maio, o presidente do Fórum das Associações do Setor Elétrico, Mário Menel, afirmou que haveria um custo elevado para manter o nível de geração de energia com o acionamento de termelétricas e com a importação de países vizinhos. De janeiro a agosto, custou R$ 13 bilhões. Naquele mesmo mês, o executivo Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura, disse que o governo já deveria ter criado formas para reduzir o consumo, aplicando a bandeira vermelha e o reajuste no mercado livre de energia. “A matriz é muito refém do clima, em parte por falta de planejamento.”

ESTRAGO O risco de apagão compõe uma tempestade perfeita. A economia ainda tenta se recuperar do tombo de 2020 com a pandemia, mas tudo o que conseguiu no segundo trimestre foi ver o PIB encolher 0,1%, em comparação ao mesmo período de 2020, segundo o IBGE. A previsão de um crescimento de 5% neste ano se tornou um sonho ainda mais distante, principalmente porque a inflação de 8,99% em 12 meses corrói a renda das famílias e impede a retomada do consumo. Mas, seguindo a cartilha do governo, só é possível fazer alarde depois das manifestações de 7 de Setembro. Antes disso, tudo está ótimo.