Desde que assumiu a presidência da República, Jair Bolsonaro nunca desceu do palanque. O chefe do Executivo federal sempre agiu mirando a reeleição em 2022 e, por esse motivo, nunca se envolveu em qualquer reforma. Muitas vezes agiu contra. A tática, que parece ter funcionado na primeira metade de mandato, pode ser afetada pelo Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) enviada na segunda-feira (31) pelo governo ao Congresso. Há expressivas baixas de gastos em saúde (-12,7%), ciência (-27,7%) e educação (-8,61%), áreas essenciais para a decência de qualquer país, mas que não carregam votos. O que dá popularidade, como programas de renda, não estão ali. Nada sobre o Renda Brasil e apenas um mísero aumento de 7% para o Bolsa Família: de R$ 32,5 bilhões para R$ 34,8 bilhões. “Nós trabalhamos com os programas já existentes”, disse À DINHEIRO o secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues. O que não é suficiente para segurar popularidade alguma – o auxílio emergencial adotado este ano, sozinho, atingirá a casa de R$ 203 bilhões, segundo o governo, já levando em conta a extensão do programa até dezembro.

O orçamento prevê despesas de R$ 1,516 trilhão (cerca de 20% do PIB), mas apenas 6% não são obrigatórias. O resto é dinheiro carimbado. Para custeio da máquina, com salários, previdência e despesas em saúde e educação. Sobram R$ 96 bilhões. O motivo do cinto apertado das despesas está posto: a dívida pública do Brasil pode crescer 20 pontos percentuais depois da pandemia e comprometer o equivalente a 96,6% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo estimativas de Paulo Salto, diretor executivo do Instituto Fiscal Independente (IFI), órgão atrelado ao Senado federal. Some-se a isso o esforço de Paulo Guedes em manter de pé o teto dos gastos, ideia diariamente bombardeada no próprio governo. Por esse motivo não se acredita muito que ficará como chegou. Ou há um coelho na cartola – como os gastos justificados por um estado de calamidade pública.

Para Pedro Schneider, economista do Itaú Unibanco, o projeto enviado ainda enfrentará alterações e precisará ser mais meticulosamente avaliado. “Ainda existem algumas questões em aberto para o Orçamento do ano que vem”, afirmou. “Mais sobre como ficará o Renda Brasil [proposta do governo para ampliar o Bolsa Família] do que para os investimentos públicos.” Essas incógnitas levam as respostas para o córner das reformas. Para o economista Carlos Kawall, diretor do Asa Investments, o déficit primário girará em 3,2% do PIB, número que só seria revertido com investimento privado e esforço político em reformas. “É fundamental que avancemos nas reformas estruturais, além da reformulação dos marcos regulatórios e dos programas de privatizações e concessões na infraestrutura”, disse.

Coube ao presidente Bolsonaro vir a público se comprometer a aprovar em 2021 a Reforma Administrativa. O que seria uma novidade em relação às duas reformas anteriores, que não tiveram seu apoio (Previdência e Tributária). O texto estava pronto, mas emperrado no Palácio do Planalto desde o ano passado e pode ser a salvação para liberação de recursos. Dentro da Administrativa estaria o fim da estabilidade de novos servidores públicos, o pareamento dos salários com a iniciativa privada e extinção de postos de trabalho. Em julho de 2019, a Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital reportou que havia na administração pública federal 655 mil servidores inativos e 705 mil ativos, com rendimento médio por servidor federal na casa dos R$ 11.842 e o custo médio aos cofres públicos de R$ 12,5 mil. O fato é que pelo Orçamento o rombo das contas públicas deve girar em torno R$ 233 bilhões ano que vem.