Jaraguá do Sul, município de 181 mil habitantes localizado na região Norte de Santa Catarina e que completa 145 anos no mês que vem, mostrou ao Brasil durante o auge da crise provocada pela pandemia o que muitas regiões no País ficaram longe de conseguir: a aliança entre o setor produtivo e o poder público na busca por uma ação única para salvar vidas e garantir a retomada econômica. Doações de respiradores, gestão empresarial no principal hospital da cidade e união para decidir as prioridades para a população. Isso só foi possível porque esse movimento de coalização entre iniciativa privada e gestão pública já era algo consolidado bem antes da crise instalada a partir da Covid-19. A cidade hoje é um oásis de empreendedorismo e cooperação.

O exemplo mais forte dessa conexão está na principal companhia de Jaraguá, a gigante de motores elétricos WEG. A empresa, que faturou R$ 17,5 bilhões em 2020, alta de 30% sobre 2019, adaptou parte de uma de suas plantas, a unidade de tintas, para produzir álcool em gel para doação e fez, rapidamente, a conversão industrial de um parque fabril para a produção de 1 mil ventiladores artificiais, que foram para o Ministério da Saúde. Dessa produção, 50% foram direcionados a Santa Catarina.

Para o CEO da WEG, Harry Schmelzer Jr., pensar na comunidade local é, antes de tudo, pensar no futuro da companhia. “Jaraguá é uma cidade que tem muitos empresários com mentalidade parecida, que querem esta relação próxima entre a iniciativa privada e a gestão pública”, disse. “Esse é o segredo. Se a cidade vai mal, eu não cresço.” Dos 33 mil trabalhadores que atuam em 12 países nos quais têm fábricas, 14,5 mil estão na planta de Jaraguá do Sul, o que corresponde a 8% da população da cidade. A segunda maior operação da WEG é no México, seguido por China e Índia.

INOVAÇÃO Construído pelo poder público e gerido pela iniciativa privada, o centro de inovação de Jaraguá já recebeu 18 empresas em três anos, segundo o diretor executivo Nelson Netto (centro), ao lado de Marco Antônio Murara e Victor Danich. (Crédito:Claudio Gatti )

A empresa, fundada em 1961 por Werner Ricardo Voigt, Eggon João da Silva e Geraldo Werninghaus (inicias que deram nome à empresa), tem hoje 56% de sua receita vinda do exterior. E mira o possível aumento de consumo nos Estados Unidos a partir do plano econômico anunciado pelo presidente Joe Biden como nova rota de receita. No Brasil, o foco está no aumento nas vendas de produtos da linha branca, como máquinas de lavar, que usam motores da WEG. “Tem aumentado o consumo de bens duráveis e isso puxa uma cadeia muito importante. Parte de nosso crescimento vem da venda para empresas que fabricam eletrodomésticos.” Para este ano, a companhia planeja investimento de R$ 1 bilhão em automação e em mellhoria dos processos nos parques fabris, além de aquisições em regiões ainda não exploradas, como leste europeu e sudeste asiático. Filho de um dos fundadores, o presidente do Conselho da WEG, Décio da Silva, também aponta na parceria com o poder público um paralelo para o crescimento da cidade. “Não dá para ser uma ilha.”

Ainda que gigante, a companhia de motores é apenas uma das empresas que têm a cidade como berço e trabalham para o avanço do município no mesmo ritmo que atuam pelo setor industrial. O raciocínio da comunidade empresarial local é simples e lógico: para as companhias, não interessa apenas crescer. É necessário que a cidade cresça também.

Presidente da Duas Rodas, maior empresa de aromas da América Latina, que nasceu em 1925, Leonardo Fausto Zipf disse que a empresa cresceu 20% no faturamento no ano passado, quando alcançou R$ 1,04 bilhão – 30% foram de produtos novos. “Implementamos novas tecnologias para oferecer os sabores às principais companhias de alimentos do Brasil. Nossa política é de crescimento e inovação.” A exportação representa 30% da receita da empresa e está nos planos uma aquisição nos Estados Unidos.

AVANÇO NO ENSINO Jaraguá do Sul registrou nota 7,2 no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) nos anos iniciais (do 1º ao 5º), acima da meta, que era de 6,7. (Crédito:Claudio Gatti )

A empresa, que hoje tem sete fábricas, incluindo operações em Argentina, Colômbia, Chile e México, iniciou no ano passado um plano de investimento de R$ 200 milhões para expansão dos negócios e processos inovadores. E é em Jaraguá do Sul que está o centro de inovação tecnológica da empresa. “Exportamos essa tecnologia para todas as nossas unidades. A mão de obra da cidade é extremamente dedicada”, disse Zipf. “A formação também está ligada ao conceito de cidadão do morador da cidade.” Dos 1,5 mil trabalhadores da companhia, 1 mil estão em Jaraguá do Sul. “Quando uma cidade quer ser relevante, não pode haver um protagonismo. O trabalho deve ser em conjunto. Todos têm um pensamento em comum, que é de construir a cidade”, disse.

PODER PÚBLICO Industrial do setor têxtil, o prefeito Antídio Lunelli – considerado o terceiro chefe do Executivo mais rico do Brasil, com patrimônio de R$ 350 milhões, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – enxerga justamente na gestão empresarial o caminho para o desenvolvimento da cidade. Assim que assumiu, em 2017, chamou os empresários para decidir os caminhos da administração. Para isso, criou um conselho consultivo, chamado Pró-Jaraguá. “O segredo de Jaraguá é a parceria e o Conselho é importante para avalizar todas as nossas responsabilidades e por nos cobrar”, afirmou. “Por outro lado, eles também começam a entender como funciona o setor público.”

Esse cooperativismo intelectual desdobra em projetos para que a cidade possa seguir crescendo, como a criação do centro de inovação tecnológica para atrair empreendedores. Em três anos, já recebeu 18 empresas. “A gente contribui para que esses novos negócios sejam instalados na cidade”, disse o professor Nelson de Almeida Netto, diretor executivo do Centro de Inovação.

É nesse conceito de parceria que Jaraguá do Sul apresenta bons resultados socioeconômicos. A cidade alcançou 0,8241 no último Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM), de 2018 (com dados de 2016). A média nacional foi de 0,6678 ponto. Pelo IDH (o mais recente no Brasil é o de 2010), o município ocupa a 34ª colocação nacional – são mais de 5,5 mil cidades. Na educação, a cidade obteve em 2020 nota 7,2 no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) nos anos iniciais (1º ao 5º), acima do meta, que era de 6,7. Nos anos finais (6º ao 9º), a nota foi 5,9, novamente acima da meta, que era de 5,2.

Mas é na saúde que está o maior case de sucesso da gestão empresarial no município. O Hospital Filantrópico é gerido por uma diretoria formada por empresários da cidade, que ao longo dos anos vêm se revezando no trabalho social. Com 241 leitos, 73% dos atendimentos são pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Dos R$ 91,5 mihões de investimentos realizados na unidade entre 2004 e 2020, R$ 36 milhões, ou quase 40%, saíram do bolso dos empresários.

Paulo Chiodini, presidente do conselho deliberativo da Associação Hospital São José, diz que o tema do voluntariado é muito forte no meio empresarial. “Participar efetivamente da comunidade está no propósito das empresas”, afirmou. Chiodini lidera o Grupo Agricopel, conglomerado da cadeia de logísitica e de distribuição de combustíveis e dono da marca de postos Mime, que faturou
R$ 2,2 bilhões no ano passado. Segundo o empresário, a participação da classe empresarial nos diversos setores da cidade traz reflexos indiretos. “Essa veia do empreendedorismo contamina as pessoas”, disse.

CRESCIMENTO Acionistas da Urbano Alimentos, empresa que faturou R$ 1,7 bilhão no ano passado a partir do aumento do consumo de arroz e feijão. Entre eles, o vice-prefeito Jair Franzner (esquerda, ao lado de Guido e Jaime). (Crédito:Claudio Gatti )

Outra companhia nascida na cidade é a maior indústria de fitas elásticas da América Latina, a Zanotti, que faturou em 2020 R$ 460 milhões, crescimento de 30% sobre o ano anterior. No ano passado, foram investidos R$ 30 milhões para melhorar a eficiência na operação e o plano para este ano é abrir uma nova unidade, somando-se à sede em Jaraguá e uma unidade em Pacatuba (CE). Valdemar Zanotti, presidente da companhia, faz coro a outras lideranças expressivas locais em que a gestão privada nunca está descolada do papel público. “Se algum empresário sabe que há uma dificuldade na saúde ou educação, com certeza esse dinheiro vai aparecer. Isso é pelas nossas raízes”, disse.

GANHA-GANHA O empresário Renato Franzner afirma que “a origem de Jaraguá remonta para essa parceria entre empresas e a gestão”. Ele é presidente da Urbano Alimentos, umas das maiores empresas de beneficiamento de arroz e feijão, que também tem como acionista o vice-prefeito Jaime Franzner. No ano passado, o faturamento foi de R$ 1,7 bilhão. A cidade se mostra um oásis e mistura público e privado de um jeito incomum no Brasil: numa relação ganha-ganha. Presidente do Grupo Lunelli e irmão do prefeito, o empresário Dênis Lunelli reconhece que a pandemia impactou o setor têxtil, mas que a companhia se preparou para garantir o caixa e cuidar dos funcionários. São 4,4 mil colaboradores. No ano passado, a Lunelli faturou R$ 815 milhões e planeja alcançar R$ 1 bilhão em 2021. Para ele, o DNA da cidade, de compartilhar, é muito forte na empresa. “Sempre disse que o funcionário precisa ter papel de dono e alegria de dono. A gente distribui 12% do que gera de lucro”, disse. “A gente estimula esse olhar forte para a comunidade.”

Integrante do conselho consultivo da Prefeitura e presidente do Conselho de Administração da Marisol, uma das principais indústrias de vestuário infantil, Vicente Donini disse que a empresa planeja chegar ao faturamento de R$ 400 milhões em 2021, contra R$ 264 milhões do ano passado. A experiência à frente da empresa é levada para a gestão municipal. “Somos bastante atuantes. Uma coisa é apresentar o que é bom para a cidade. A outra é ajudar a executar”, afirmou. Um desses nós é a mobilidade. Apesar de ter menos habitantes que um bairro de São Paulo, a cidade enfrenta gargalos para garantir o deslocamento de 127 mil veículos – média de dois por residência. “A cidade necessita de um anel viário”, disse o chefe do Executivo.

Para o milionário prefeito Lunelli, trata-se acima de tudo de uma gestão do bem público. “Quando o dinheiro não é teu, é necessário cuidar mais”, disse. “E não há receita mágica. Há um compromisso de fazermos juntos pela população. Se uma empresa cresce, a cidade cresce.” A fórmula está colocada.

ENTREVISTA: Décio da silva presidente do conselho da weg
Não se consegue fazer empresas robustas onde a comunidade não é bem-sucedida”

Claudio Gatti

Qual o segredo para que a WEG tenha se tornado uma potência mundial em motores elétricos?
Os fundadores da companhia eram pessoas à frente do tempo. Eles pensavam muito longe e de uma maneira muito ampla. Tanto que abriram o capital da companhia em 1970, em uma época em que se contava nos dedos o número de empresas listadas na Bolsa. Muitas ações foram seguidas por outras empresas de Jaraguá do Sul. Às vezes a gente se pergunta se a WEG cresceu tanto porque nasceu em Jaraguá do Sul, que sempre teve uma comunidade fantástica, ou a cidade se desenvolveu tanto porque tem empresas como a WEG.

E qual a resposta certa?
Nenhuma das duas. O sistema é como um vaso comunicante. Não se consegue fazer empresas robustas onde a comunidade não é bem-sucedida ou vice-versa. Não dá para ser uma ilha. E cada vez mais a sociedade está entendendo isso, com esse movimento de ESG. Os fundadores pensaram muito antes. É um esforço conjunto tanto da direção quanto de seus colaboradores. E isso se reflete na cidade. A WEG sempre fez questão de estar presente na sociedade. Eu fui presidente da Associação Comercial e do conselho do Hospital São José.

A pandemia intensificou essa atuação?
Mudou um pouco a direção. Saúde sempre foi a nossa prioridade e reforçamos isso. Construímos respiradores e isso só fortaleceu nosso foco de investir na saúde. Dessa forma, a empresa contribui com sua participação na gestão pública.

Por que a WEG, que nasceu em Jaraguá, nunca quis mudar a sede para outro lugar?
Na época do meu pai, o Eggon, era muito comum que empresários sugerissem para a WEG mudar a sede para São Paulo, mas ele achava absurdo pensar nisso. Claro que depois abrimos escritório em São Paulo, porque é um mercado relevante. Mas a sede da WEG não vai sair de Jaraguá do Sul porque aqui está a nossa essência, estão nossas pessoas. Aqui está a maior planta de fabricação de motores elétricos do mundo. Na posição de presidente do Conselho, procuro manter a cultura que os fundadores estabeleceram para a companhia, que é valorizar as pessoas e principalmente essa visão de que não podemos ser uma ilha. Cuidar do seu entorno, desenvolver tecnologia, crescer continuadamente e ser uma companhia que esteja presente no mundo.

Essa cultura de cooperação entre empresas e poder público de Jaraguá não se percebe na maior parte do Brasil. Por qual razão?
Esse sistema é mais fácil em cidades menores. Jaraguá vem crescendo e a gente luta para que essa característica não se perca. Nos grandes centros, é um pouco mais desafiador. Não dá para ter ilhas de prosperidade. A gente precisa tentar fazer todo o ecossistema mais bem-sucedido. A parte menos desafiadora para as pessoas mais bem-sucedidas é fazer doação em recursos financeiros. A coisa mais sagrada que temos é o tempo. Se dedicar ao hospital, à Prefeitura, às pessoas é algo muito importante para nós.