Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referentes ao segundo trimestre de 2018 revelaram que o desemprego atingiu 12,4% da população brasileira economicamente ativa. Mesmo alarmante, o índice não chega a surpreender. Desde 2015, o indicador vem refletindo a crise na economia do País. O que espanta é que, em um segmento específico, sobram vagas na terra dos desempregados. Em um contraponto às 13,2 milhões de pessoas sem trabalho, a consultoria americana IDC estima que existem 250 mil posições em aberto para profissionais de tecnologia no Brasil, um setor que movimentou US$ 38 bilhões em 2017.

Melhor: o número de vagas disponíveis deve triplicar até 2020. Engana-se, porém, quem pensa que apenas gigantes do calibre de Apple, Google e Microsoft estão à caça de desenvolvedores, cientistas de dados, engenheiros de software e companhia. Ao mesmo tempo em que desafiam mercados tradicionais, startups brasileiras como Nubank, Movile, GuiaBolso e PSafe estão acelerando o ritmo das contratações para acompanhar o crescimento de seus negócios. “Somente neste ano, contratamos 470 profissionais para manter a velocidade do desenvolvimento de novos produtos”, disse David Vélez, fundador da Nubank, em entrevista à DINHEIRO há menos de um mês.

Fundada em 2013, a fintech recebeu, desde então, cerca de US$ 520 milhões em cinco rodadas de investimento e alcançou o status de unicórnio, como são chamadas as novatas avaliadas em US$ 1 bilhão ou mais. Com a mesma velocidade que atraiu aportes de fundos como Sequoia Capital, a empresa ampliou sua equipe. Atualmente, a companhia tem cerca de 1,2 mil funcionários. Desse quadro, mais de 800 profissionais foram contratados nos últimos doze meses. Os cargos incluem desde posições mais generalistas, como aquelas dedicadas à experiência do cliente, até funções mais específicas e que exigem capacitação diferenciada, como cientistas de dados e desenvolvedores. Hoje, essa última frente corresponde a 15% do total de funcionários.

A Nubank projeta abrir mais 200 vagas até o fim de 2018. Para preencher esses postos, uma das estratégias é buscar candidatos fora de São Paulo. Recife é uma das cidades no radar, pelo fato de ter um polo de tecnologia bem estruturado, o Porto Digital, e uma boa oferta na universidade federal. Outra iniciativa recente foi a abertura de um escritório em Berlim, na Alemanha, dedicado à infraestrutura de dados. “É um mercado mais maduro e que tem profissionais mais sêniores nessa área”, diz Silvia Kihara, líder de recrutamento da Nubank. Quatro brasileiros foram transferidos para a operação, que conta com um time de 15 pessoas. Ao mesmo tempo, outros funcionários do País têm passado algumas semanas no local. “É uma forma de a pessoa se desenvolver e ter acesso à experiência internacional, sem que para isso precise sair da empresa”, afirma Silvia.

Preenchendo espaços: juntas, a Nubank, de David Vélez (à esq.), e a Movile, dona do aplicativo iFood, anunciaram planos de expansão para a contratação de quase 2 mil profissionais de tecnologia até março de 2019

Com 15 escritórios em sete países e mais de 1,6 mil funcionários empregados, a Movile parece seguir à risca os passos da companhia de Vélez para se tornar o próximo unicórnio verde e amarelo. Dona dos aplicativos iFood e PlayKids, a companhia comandada por Fabrício Bloisi já recebeu US$ 395 milhões em aportes capitaneados principalmente pelos fundos Naspers e Innova Capital e, desde março, iniciou uma expansão em sua força de trabalho. A expectativa é aumentar em mais de 60% o número de profissionais atuando em diferentes aplicativos que fazem parte da empresa. Para isso, até março de 2019, serão contratados 1 mil profissionais pela Movile. “É um desafio para a gente por conta da alta demanda”, diz Bárbara Camargo, gerente de gente da Movile. Para driblar essa dificuldade, a empresa adotou um programa de indicação interno em que existe reconhecimento financeiro para indicações que venham ser contratadas. Outra solução é formar profissionais “em casa”. “Para suprir a falta de um conhecimento técnico específico, criamos programas de aprendizado dentro da empresa.”

Enquanto a Movile diz não prospectar candidatos que estão empregados em outras companhias, outras startups mantêm contatos com consultorias especializadas para buscar profissionais no mercado. Uma delas é a PSafe. Fundada em 2011 no Rio de Janeiro, a companhia comandada por Marco DeMello está com o radar ligado nos principais profissionais de segurança. “A PSafe foi montada trazendo profissionais que estavam em outras companhias”, diz Apolo Doca, vice-presidente de tecnologia da companhia. Segundo o executivo, há um princípio de migração de profissionais de grandes empresas para startups. Algo que, no passado, era o contrário. “Muitas startups têm remunerações maiores do que de companhias tradicionais.” É uma estratégia agressiva, mas necessária. “Hoje existem muitas vagas e poucas pessoas”, afirma Amure Pinho, presidente da Associação Brasileira de Startups “É comum ouvir que encontrar um chefe de tecnologia é uma das coisas mais difíceis de se fazer quando se está montando uma nova empresa.”

PROCURA-SE Fundada em Porto Alegre, a e-Core é uma empresa especializada em softwares que atende grandes companhias do mercado, como Uber e Airbnb. Em 2017, ela faturou US$ 58 milhões e planejou dobrar sua força de trabalho para 500 profissionais até o fim do ano que vem. O problema é que, para cada contratação, a e-Core afirma que tem sido preciso fazer mais de 50 entrevistas. “O mercado de trabalho não tem acompanhando os avanços tecnológicos na mesma velocidade”, afirma Edna Batista, gerente de recursos humanos da empresa. “Contratar é um desafio.”

Para fontes consultadas pela DINHEIRO, o aumento substancial da demanda por tecnologia é o principal fator por trás das boas perspectivas de colocação nesse mercado. Alguns elementos ajudam a explicar esse contexto. O primeiro deles é o avanço dos aplicativos, um movimento capitaneado, inicialmente, por startups e que se disseminou para empresas de maior porte, inclusive de outros setores. Da mesma forma, conceitos como computação em nuvem, internet das coisas e inteligência artificial estão ganhando escala nas estratégias de companhias dos mais variados segmentos nos últimos anos. A própria crise econômica é mais um ingrediente. Sob um cenário instável, a busca por eficiência operacional e redução de custos está na ordem do dia. “E a tecnologia é um componente essencial nesses processos”, diz Caio Arnaes, gerente sênior da consultoria americana de recrutamento Robert Half.

Dados da consultoria americana de recrutamento mostram que a quantidade de vagas abertas na área de tecnologia cresceu 32% no primeiro semestre de 2018, na comparação com igual período do ano passado. Os profissionais mais procurados são os desenvolvedores e os especialistas em segurança da informação. Diversos fatores poderiam explicar o fato de que mesmo com 13,2 milhões de desempregados no País, existem centenas de milhares de vagas abertas. Um deles é o próprio problema enfrentado pela e-Core. Uma tecnologia em alta em 2011 já pode ser considerada defasada cinco anos depois, por exemplo.

Dessa forma, há uma dificuldade cíclica das instituições de ensino de acompanharem o ritmo do mercado. O desafio mais relevante, contudo, se dá pela falta de investimentos no desenvolvimento científico e tecnológico do País. “A gente está um pouco atrás de outros países que têm políticas voltadas para o setor de tecnologia”, diz Luis Ruivo, sócio da consultoria PwC Brasil. “Não temos a mesma competitividade de uma Índia, por exemplo. Lá, o governo investiu para que o país se tornasse um pólo tecnológico.” Para piorar, não há perspectivas de melhora. Ao menos, em ações tomadas pelo governo. Para 2019, o orçamento previsto para o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações será de R$ 3,75 bilhões. Em 2018, o valor foi de R$ 4,6 bilhões.

O volume de oportunidades e a dificuldade de formar profissionais com a mesma velocidade para preenchê-las já estão provocando algumas mudanças na relação entre empresas e funcionários. “Com mais opções e até para acelerar a absorção de capacidades, muitos profissionais têm optado por se dedicarem a projetos de curto prazo, em diferentes empresas”, afirma Arnaes. Ao mesmo tempo, como reflexo da disputa por esses profissionais, as companhias estão oferecendo mais benefícios para atrair e reter os melhores talentos. A Robert Half forneceu com exclusividade à DINHEIRO dados de uma pesquisa realizada em junho deste ano, com 1.128 diretores de tecnologia de 12 países, entre eles o Brasil. O estudo mostra que, nos últimos três anos, 35% dos contratantes no País introduziram horários mais flexíveis para os funcionários; 49% passaram a oferecer treinamento e desenvolvimento adicional; e 30% aumentaram os níveis de remuneração, incluindo expedientes como o pagamento de bônus. “O mercado está aquecido e tem salários bastante atraentes”, diz Diônes Lima, vice-presidente da Associação para Promoção da Exce-lência do Software Brasileiro (Softex). “As empresas vão precisar ser cada vez mais flexíveis na relação com os funcionários.”

A GuiaBolso, dona de um aplicativo de controle de finanças pessoais que já atraiu US$ 74 milhões em aportes, é uma das startups que vêm testemunhando esse novo cenário. “O mercado está inflacionado e os candidatos estão mais seletivos. Enquanto em outros setores há 100 pessoas para uma vaga, em tecnologia, é exatamente o oposto”, diz Inajá Azevedo, diretor de tecnologia da companhia. Ele observa que a novata foi obrigada a rever sua política de remuneração. Os salários pagos pela empresa tiveram um aumento que varia de 20% a 30%, dependendo da posição, na comparação com dois anos atrás. Nesse intervalo, a equipe de tecnologia saiu de 30 para os atuais 90 profissionais.

Boa parte das contratações foi feita na virada de 2017 para esse ano, quando a GuiaBolso passou a oferecer novos serviços, como a recomendação de investimentos. Atualmente, outras dez vagas estão abertas na área. Aos 41 anos, Azevedo ressalta a principal diferença do mercado da década de 1990, quando começou a programar, para os dias de hoje. Ele observa que o sonho de todos os profissionais na época era trabalhar em uma empresa grande. “Hoje, se você quiser trabalhar de terno e gravata em um banco ou em uma consultoria, você consegue”, afirma. “Mas se preferir trabalhar de chinelo e levar o seu cachorro até a empresa, também é possível. O mercado está muito mais plural. Há oportunidades para todos os perfis.”