O executivo Gustavo Werneck, 45 anos, é um CEO de portas abertas. Desde que assumiu, em janeiro deste ano, a operação da Gerdau, a principal siderúrgica produtora de aços longos das Américas, ele lidera iniciativas de inovação numa indústria tradicional e centenária. Werneck mudou a sede corporativa de Porto Alegre para São Paulo e exigiu que o escritório não tivesse paredes nem uma sala ou secretária exclusiva para ele. Em uma mesa oval, ao lado do vice-presidente e CFO, Harley Scardoelli, e de outros diretores, Werneck executa suas tarefas diárias, que são compartilhadas com os companheiros. Seu objetivo é quebrar, aos poucos, a estrutura vertical da empresa, dando mais autonomia para que os funcionários possam tomar decisões para o negócio, sem a necessidade de muitos processos de aprovação. Ele também está de olho em inovação e vai inaugurar, em setembro, um escritório no Vale do Silício. “Estamos construindo uma organização mais aberta, mais ágil e simples”, diz Werneck, em entrevista à DINHEIRO (leia entrevista no link “Leia mais” à direita).

Após cinco gerações de controle familiar, essa é a primeira vez na história da companhia de 117 anos que um Gerdau Johannpeter não está à frente do comando da empresa. A transição da governança corporativa da empresa familiar foi realizada pela Inwi, consultoria especializada em gestão empresarial, que trabalhou para a GP Investiments, Mills e General Atlantic. “Em todas as posições que ocupou, Werneck venceu importantes desafios, alavancou resultados e construiu equipes de alto desempenho”, disse André Gerdau Johannpeter, antecessor de Werneck, à época da transição. Após 11 anos no comando da empresa, hoje ele atua como vice-presidente do conselho administrativo.

Gigante de aço: a Gerdau recuperou valor de mercado, expandiu receita e lucro, avançou no controle de dívidas e alcançou seu melhor Ebitda trimestral desde 2008 (Crédito:Leo Drumond / NITRO)

Nesses oito meses à frente da operação, Werneck trouxe cerca de 30 pessoas da sede do Rio Grande do Sul para São Paulo – hoje, nenhum vice-presidente da empresa trabalha em solo gaúcho. Formado em engenharia mecânica pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o executivo está há 13 anos na Gerdau e passou por muito “chão de fábrica” nas unidades do Paraná, da Bahia, de Pernambuco e do interior paulista antes de virar executivo. Uma de suas principais credenciais para o cargo de CEO foi ter conseguido deslanchar a operação na Índia, mercado estratégico para a companhia. Ele comandou a operação, entre 2014 e 2015. “A Gerdau nos últimos meses passou por uma transformação interna, não só em termos operacional, como também cultural”, diz Gabriela Cortez, analista do BB Investimentos.

Com receita líquida de R$ 37 bilhões no ano passado, a mudança no comando executivo agradou os investidores. Neste ano, as ações da Gerdau na bolsa registravam valorização de 27,3%, até a quarta-feira 15, ante uma alta de 0,95% do Ibovespa. O valor de mercado da companhia alcançou o maior patamar desde o quarto trimestre de 2013. Uma das explicações para esse desempenho é o retorno da confiança com o afastamento da família do dia-a-dia do negócio. No ano passado, a companhia foi alvo da Operação Zelotes. Em outubro, o juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara da Justiça Federal em Brasília, acatou a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal no Distrito Federal (MPF/DF) contra 14 pessoas por envolvimento no pagamento de propina em julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão ligado ao Ministério da Fazenda. Segundo o MPF, os atos de corrupção teriam ocorrido entre 2011 e 2014.

Investigada pela PF: alvo da operação zelotes, a Gerdau é suspeita de tentar sonegar R$ 1,5 bilhão (Crédito:Felipe Rau/Estadão)

Viraram réus 11 advogados e ex-integrantes do Carf, além de três executivos ligados à Gerdau: o ex-diretor jurídico Expedito Luz, o consultor de contabilidade Raul Schneider, e o ex-executivo Marco Antônio Biondo. Eles teriam negociado o pagamento de R$ 40 milhões em troca de vantagens em processos que correram no Carf. Apesar de o então CEO da siderúrgica, André Gerdau, ter sido indiciado pela Polícia Federal no inquérito sobre a investigação, os procuradores não encontraram provas suficientes para incluí-lo na denúncia. “Essa decisão de passar a família para o conselho é, justamente, para não ficar gerando pressão sobre a empresa”, diz Pedro Galdi, analista de investimentos da corretora Mirae.

Outra mudança importante na Gerdau foi a nomeação, em abril, do chinês Chia Yuan Wang como presidente da operação da unidade América do Norte, que é responsável por 40% da receita líquida da empresa – o Brasil responde por 33% do resultado e o restante é espalhado por outros países. Até então, o CEO acumulava todas as funções. Mas Werneck, que ficou à frente das operações por três meses, decidiu separá-las em razão da importância desse mercado. Coincidência ou não, a geração de caixa da Gerdau na América do Norte subiu de 6% no segundo trimestre de 2017 para 9,2% no mesmo período deste ano. “A Gerdau está bem posicionada para se beneficiar tanto da recuperação da economia brasileira como do mercado americano”, diz Luiz Caetano, analista da Planner Corretora.

Fim da dinastia: Jorge, pai (sentado), e André Gerdau Johannpeter, filho, comandaram a siderúrgica entre 1983 e 2017 (Crédito:Davilym Dourado/Valor Revista)

Os resultados recordes da siderúrgica neste segundo trimestre mostram que Werneck tem sido bem-sucedido em suas decisões. Além do faturamento recorde de R$ 12 bilhões, o lucro líquido ajustado no período foi de R$ 746 milhões, 407% melhor em comparação ao mesmo período em 2017. As empresas do setor de commodities metálicas, nesses últimos meses, acabaram sendo penalizadas em função da guerra comercial entre China e Estados Unidos, algo que não chegou a afetar a Gerdau. Enquanto as medidas protecionistas do presidente Donald Trump prejudicam as exportações de algumas empresas, a siderúrgica brasileira é beneficiada justamente por ter parte de sua operação em solo americano, que vende diretamente para o mercado local.

Mas o desempenho é considerado ainda mais relevante em razão dos acontecimentos no Brasil. A greve dos caminhoneiros, no fim de maio, e a parada programada para manutenção do alto-forno 2, em Ouro Branco (MG) não prejudicaram os negócios da empresa. “Enquanto o caminho de recuperação nos EUA é uma realidade, ficamos surpresos ao ver a unidade brasileira da Gerdau sustentar 19,6% de margem Ebitda em meio à greve de caminhoneiros”, diz Leonardo Correa, analista do BTG Pactual. O CEO explica o que foi feito. “Esse bom desempenho está ligado à melhoria do mercado do aço e aos esforços internos de gestão da Gerdau”, afirma Werneck.

Parte do bom momento da operação pode ser creditado também à agenda de desinvestimentos da empresa. Para ganhar fôlego e atravessar o momento de crise no aço, que abalou o setor entre 2013 e meados de 2016, a Gerdau intensificou a venda de ativos considerados não estratégicos. Desde 2014, mais de R$ 6 bilhões foram levantados. No início deste mês, a empresa concluiu a venda de duas hidrelétricas em Goiás, por R$ 835 milhões. Em janeiro, a Gerdau firmou um acordo com a americana Commercial Metals Company (CMC) para a venda de algumas de suas unidades produtoras de vergalhão, assim como unidades de corte e dobra de aço e centros de distribuição, nos EUA.

A transação, que ainda está sujeita à autorização dos órgãos reguladores e às condições habituais de fechamento, está estimada em US$ 600 milhões. “É uma boa prática comercial vender ativos para reduzir a dívida, especialmente se esses ativos não renderem muito dinheiro”, diz John Tumazos, fundador da casa de análise americana focada em commodities Very Independent Research. “No entanto, a Gerdau teve muito azar, porque os preços do vergalhão subiram cerca de US$ 200 por tonelada devido a tarifas de 25% anunciadas em março e impostas em junho.” Segundo ele, a Gerdau teria obtido entre US$ 900 milhões e US$ 1,2 bilhão a mais por esses ativos hoje com os benefícios das tarifas.

Cara de Startup: novo CEO trouxe a sede corporativa da Gerdau para São Paulo, em janeiro de 2018. O ambiente colaborativo é inspirado em empresas do Vale do Silício (Crédito:Divulgação)

DESAFIO Uma das principais metas traçadas pela siderúrgica neste ano é a redução do endividamento. A dívida aumentou para R$ 18,1 bilhões. A desvalorização do real frente ao dólar nos últimos meses foi crucial para esse aumento. “A empresa conseguiu ser eficiente no controle de dívidas, levando em consideração que 84% de sua dívida interna e externa é em dólar”, afirma Galdi. Mesmo assim, a alavancagem financeira da Gerdau, permaneceu estável em 2,7 vezes a geração de caixa – em junho de 2017, o índice era de 3,6 vezes. Esse problema, no entanto, não é só da Gerdau.

A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a Usiminas também registraram aumento no endividamento no trimestre. A CSN está com dívida líquida de R$ 27,1 bilhões, com alavancagem de 5,34 vezes. Já a Usiminas, totalizou uma dívida líquida de R$ 4,7 bilhões em junho, aumento de 15% ante o trimestre anterior, com alavancagem em alta, para 2,3 vezes, ante 1,8 vez no período completado em março. Analistas consideram uma alavancagem saudável próxima a 2 vezes para uma siderúrgica. “A convergência dos fatores fez com que tivéssemos uma crise muito forte, que levou à paralisação de unidades e fechamento de fábricas”, afirma Marco Polo Lopes, presidente do Instituto Aço Brasil.

A crise pressionou o setor siderúrgico entre 2013 e 2016, com baixa no mercado internacional, redução da demanda, e crise no mercado interno. Mesmo uma indústria de transformação como a Gerdau trabalha para inserir tecnologia e inovação no negócio. Werneck acelerou todos os projetos. A siderúrgica instalou, por exemplo, 40 mil sensores no maquinário pesado de suas plantas no País, em um acordo com a General Electric (GE). “Baseada em algoritmos e inteligência artificial, essa tecnologia está nos auxiliando a antecipar possíveis falhas nos equipamentos e reduzir custos de manutenção”, diz o CEO. O projeto, que está sendo estendido para as unidades da Gerdau na Argentina e na América do Norte, deve aumentar o ciclo de vida dos equipamentos em até 20%.

Outra iniciativa liderada por Werneck foi a Usina Digital, programa implementado no fim de 2015, que utiliza drones para monitoramento e inspeção de operações, entre outras coisas. O processo otimizou o tempo para medição do volume de sucata estocado, por exemplo, passando de três dias para menos de 10 minutos. Além disso, por meio de aplicativos customizados para smartphones hoje é possível melhorar o tempo para processos como o gerenciamento de filas para carga e descarga nas usinas, e a classificação de sucata por parte dos funcionários da empresa, reduzindo em 93 horas por mês o tempo dedicado ao processo. Investir em inovação parece ser inevitável até mesmo para quem é feito de aço.