Poucos líderes mundiais podem se gabar de deixar para a História uma política econômica com o próprio nome. A proposta do premiê japonês Shinzo Abe para tirar seu país do prolongado quadro deflacionário foi tão ousada que deu origem ao termo “Abenomics”, o conjunto de medidas heterodoxas implementadas desde 2012 para estimular o crescimento. O PIB de US$ 5 trilhões está avançando há seis trimestres seguidos, os índices de ações bateram, no início do mês, o maior nível em 20 anos e o desemprego está no menor patamar já registrado (2,9%). Diante de resultados alvissareiros, os japoneses optaram por dar a Abe a chance de continuar o trabalho nos próximos meses, ao conceder a vitória para a coalizão do seu partido nas eleições parlamentares realizadas no domingo 22, consolidando uma supermaioria legislativa ao premiê.

Embora o resultado seja visto mais como uma derrota da oposição do que um endosso ao governo, Abe sai fortalecido do pleito e pode prosseguir com sua proposta de no campo da Defesa. Ele pretende mudar a Constituição para deixar explícito a formação de um Exército que possa se envolver em conflitos. Atualmente, o país denomina suas forças de Auto-Defesa, uma herança da Segunda Guerra Mundial, e uma nomenclatura que, em tese, restringe a atuação do quadro bélico. A ideia de reverter o status voltou à pauta diante das ameaças crescentes da Coreia do Norte, liderada pelo polêmico ditador Kim Jong-un.

Aliado: o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, garante proteção militar ao Japão (Crédito:AFP Photo / Mandel Ngan)

“Na nossa geração, temos de consolidar a posição constitucional das Forças de Auto-Defesa”, afirmou Abe, durante a campanha.Um japão bélico, no entanto, vai gerar tensão no relacionamento com a China. Ao garantir os dois terços dos assentos do Legislativo, Abe tem condições de alterar a Constituição, mas falta ainda uma consulta popular. Para alguns analistas, porém, esse é um risco alto demais para o momento. “É um tema muito emocional para o Japão, ele não vai se engajar nisso tão cedo, porque significaria abrir uma perigosa caixa de Pandora”, afirma a especialista do Chicago Council of Global Affairs, Cécile Shae, que serviu como diplomata no Japão. “Ele vai querer focar na economia.”

Não faltam desafios no campo econômico. As projeções sugerem um crescimento de 1,5% neste ano e inflação próximo de 0,4% (leia quadro acima), patamar ainda bem distante da meta do premiê para o índice de preços, de 2%. Para o Japão, inflação muito baixa não é boa notícia, pois representa uma quase estagnação econômica. O principal objetivo do plano Abenomics era afastar de vez o fantasma da deflação e garantir um avanço dos preços suficiente para impulsionar a economia, forçando consumidores a gastar e investidores a empreender. Trata-se de uma combinação pesada de estímulos monetários, a adoção de juros negativos, com propostas de reformas para dinamizar o mercado de trabalho. A primeira parte vem sendo colocada em curso desde 2012 e é o que justifica parcialmente o crescimento, assim como a melhora do ambiente externo. Quanto às reformas, a maior parte ainda precisa sair do papel, principalmente a que avança sobre maior participação de estrangeiros, vista como essencial para atacar a tendência de encolhimento da população. A previsão é que o Japão perca, em 50 anos, cerca de um terço da sua população, que é muito idosa – atualmente são 127 milhões de japoneses.

Inimigo: o ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-Um, insiste na estratégia de testar mísseis que passam perto do território japonês (Crédito:AFP)

Faltará ainda resolver o elevado nível de endividamento público, hoje em 250% do PIB, e agravado pelas políticas de estímulo recém-implementadas. O Fundo Monetário Internacional (FMI) vem alertando para o patamar insustentável da dívida. Parte do Abenomics inclui aumentar impostos sobre o consumo para levantar receita ao governo. O desafio é saber qual é o melhor momento e forma correta de fazer isso, uma vez que tentativas recentes contribuíram para aprofundar o quadro recessivo. Na conta do suporte ao governo Abe, nas urnas, entra um componente estratégico: os Estados Unidos. O premiê japonês goza de uma das melhores relações com o presidente americano Donald Trump dentre os líderes globais, apesar dos campos opostos no tema de comércio exterior.

Enquanto Trump defende a ruptura a grandes acordos, Abe foi um dos maiores apoiadores da Parceria Transpacífico (TPP, na sigla em inglês).Essa relação profícua conta pontos internamente porque os americanos são vistos como parceiros essenciais no campo militar. “Os japoneses olham para a relação de Abe com Trump e se sentem firmes porque sabem que podem contar com o guarda-chuva do arsenal nuclear americano”, afirma Shae. “Isso significa que não há riscos? Não, pois um ataque militar americano à Coreia do Norte seria desastroso ao Japão” Abe terá de trabalhar duro para influenciar Trump a não caminhar por aí. Nada que já não tenha feito. O líder foi um dos primeiros a conversar com o americano após as eleições. Os dois, que jogaram golfe juntos no resort de Trump, na Flórida, vão se reencontrar em novembro.