O teólogo italiano Giordano Bruno (1548-1600) costumava dizer que a “ignorância e a arrogância são duas irmãs inseparáveis, com um só corpo e alma”. Essa frase ajuda a definir o impasse criado no Conselho de Administração da BRF, a maior empresa de alimentos processados do Brasil, desde que os fundos de pensão Petros e Previ, os dois maiores acionistas da companhia, com 11,4% e 10,7% do capital, respectivamente, pediram uma reunião para destituir os atuais membros e eleger uma nova chapa, no fim de março. Desde então, o chairman Abilio Diniz, que detém cerca de 4% das ações, vinha buscando o consenso entre os acionistas para evitar uma briga na eleição marcada para o próximo dia 26. Apesar das diferenças de opinião sobre os rumos da gestão da companhia, Abilio estava conseguindo se articular bem nos bastidores, disseram a DINHEIRO fontes próximas aos conselheiros. Mas, uma frase atribuída a ele, divulgada no dia da assembleia extraordinária realizada em 5 de abril, azedou novamente a relação.

Abilio teria dito a interlocutores que recebeu “uma declaração de guerra e ofereceu um tratado de paz”. Num momento em que os ânimos estão exaltados, a fala foi entendida como uma tentativa de o chairman deixar a empresa como o pacificador do conflito. Essa imagem é tudo o que os fundos Petros, Previ e a gestora Aberdeen, que possui 5% das ações, não querem. Eles culpam Abilio e a gestora Tarpon pelos erros de gestão e pelo prejuízo acumulado de R$ 1,5 bilhão nos últimos dois anos. Por esse motivo, a tentativa de apresentar uma chapa de consenso para o Conselho foi rejeitada no encontro do dia 5, mesmo com a proposta de renúncia de Abilio.

Além da irritação com a frase, a retirada do advogado Francisco Petros, principal representante do Petros, da chapa comum foi mal recebida. Walter Malieni Jr, da Previ, foi o primeiro a votar contra. No dia seguinte, Augusto Cruz, José Luiz Osório e Roberto Mendes entregaram uma carta se recusando a participar da composição proposta por Abilio. “A empresa deixou de ter um colegiado unido, o que é extremamente negativo e deixa a companhia acéfala”, diz uma fonte que participa da negociação. “E tem um agravante: o Abilio é um comprador de brigas. A vida dele é de conflitos com o Casino, com os Klein, com a Tarpon. Agora, está brigando com os fundos num momento em que a BRF precisa de unidade”.

Moderador: Luiz Fernando Furlan teria convencido Luiza Helena Trajano, do Magazine Luiza, a ser uma das conselheiras independentes da BRF (Crédito:Claudio Gatti / Ag. Istoé)

A tentativa de o chairman da BRF sair de cena construindo um consenso tem um motivo. Ele quer que o novo Conselho garanta a permanência da atual diretoria da empresa, que está sob o comando de José Drummond Jr. desde o fim de 2017. Abilio considera prejudicial trocar os executivos agora que a companhia precisa esclarecer os pontos assinalados pela Operação Trapaça, que acusou a empresa de manipular resultados laboratoriais para esconder a presença de salmonella nas carnes. Para isso, propôs um bônus de R$ 40 milhões para reter os profissionais – sendo R$ 6 milhões para Drummond. Francisco Petros, que não compareceu à reunião, mandou seu voto por escrito considerando uma afronta bonificar executivos num momento em que a empresa registra prejuízo bilionário.

Acrescentou ainda que caberá aos novos conselheiros decidir quais são os executivos que vão se encaixar no novo direcionamento da BRF. Sem acordo, ganhou força nos últimos dias a possibilidade do voto múltiplo na assembleia do dia 26. Com isso, os conselheiros são votados separadamente, o que pode garantir uma diversidade na composição do Conselho. Abilio, por exemplo, poderia emplacar até duas pessoas de sua confiança e enfraquecer Petros e Previ. Além dele, o Aberdeen mostrou-se favorável à proposta, em carta registrada na quinta-feira 12. Tarpon e as famílias Furlan e Fontana, fundadoras de Sadia, respectivamente, tendem a aceitar essa solução.

Luiz Fernando Furlan teria convencido Luiza Helena Trajano, do Magazine Luiza, a ser uma das conselheiras independentes. A Tarpon, que teve sua imagem arranhada ao longo de sua gestão na BRF, decidiu que não vai compor com nenhum dos lados. A postura adotada é de observação e liberdade para avaliar propostas. Atualmente, José Carlos Reis de Magalhães Neto, o Zeca, sócio da gestora, é um dos conselheiros, mas dificilmente a Tarpon vai indicar outro nome, mesmo com o voto múltiplo – a venda de sua participação de 7% é uma questão de oportunidade de mercado. Nos próximos dias novos nomes devem surgir. O impasse deve continuar até a assembleia.