Os diretores da fabricante de embalagens de vidro Owens Illinois tomaram um susto ao saber, no final de maio, que o preço do gás canalizado subiria 18%. O item representa 35% do custo de produção da companhia americana, com sede na Grande São Paulo. Além de piorar a competitividade com os concorrentes diretos, o aumento torna mais difícil a disputa com embalagens de papelão, podendo afetar planos de investimentos da multinacional. “A gente quer crescer no Brasil, mas com o ambiente regulatório complicado, a matriz pode acabar decidindo aplicar recursos em outros lugares”, afirma Michelle Tchernobilsky, diretora de relações governamentais da empresa.

O reajuste é o mais recente capítulo na batalha entre as indústrias e as distribuidoras de gás no Estado de São Paulo. A divergência envolve a decisão sobre quais parâmetros devem ser considerados na apuração da tarifa, uma discussão iniciada em 2014 e que está longe do fim. O processo de revisão daquele ano deveria definir as bases para os preços que seriam aplicados até 2019. Pelo contrato de concessão, de 1999, a cada cinco anos, a Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado (Arsesp) e as distribuidoras devem estimar a receita necessária para que as empresas possam cobrir os custos operacionais, a depreciação dos investimentos realizados, a remuneração do capital aportado e os investimentos previstos para o período.

Uma divergência na forma de calcular as margens, porém, abriu uma disputa interminável entre as partes. O ponto central da batalha é o custo médio do capital a ser considerado e o critério de cálculo da base de remuneração, com a inclusão ou não dos ativos que faziam parte das empresas antes da privatização. Na consulta pública aberta pela Arsesp, a base de remuneração considerava apenas os ativos em serviço, retirando aqueles existentes na época do leilão, como se fazia até então. Na prática, isso abriria a possibilidade de redução nas tarifas. As distribuidoras reagiram. Alegaram que as alterações representavam uma quebra de contrato e prejuízo à realização de investimentos para cumprir a meta de dobrar o número de municípios atendidos pela rede de gás natural, para 285, até 2029.

Custo alto: Michelle Tchernobilsky, diretora de relações governamentais da Owens Illinois, diz que alta do gás prejudica sua competitividade (Crédito:Claudio Gatti)

Um recurso da Comgás foi acatado pela Arsesp e foi mantida a metodologia antiga. As associações industriais acusam as distribuidoras de praticarem “chicanas” para impedir as alterações. “Elas estão tentando é atrasar as discussões para evitar que a mudança aconteça”, diz Lucien Belmonte, superintendente da Associação Técnica Brasileira das Indústrias Automáticas de Vidro (Abividro). Pelos cálculos da entidade, os prejuízos aos consumidores chegam a R$ 500 milhões desde 2014. Vale dizer que, nesse período, houve também reduções nas tarifas (veja gráfico acima). Em nota, a Comgás diz que o atraso no processo de revisão foi causado “por motivos estranhos à companhia.”

NOVO MARCO As distribuidoras afirmam também que o aumento recente tem mais um componente fora de seu alcance: a Petrobras. A estatal detém o monopólio da produção e do transporte do gás, fatores que representam 60% da composição da tarifa. A concentração é um dos pontos que contribui para manutenção do preço elevado do gás, mas isto está prestes a mudar. Altamente endividada, a Petrobras está se desfazendo dos ativos na área. Ao mesmo tempo, o governo federal apresentou um novo marco regulatório ao setor.

Segundo a diretora do Departamento de Gás Natural do Ministério de Minas e Energia, Symone Araujo, o objetivo central é atrair mais agentes ao mercado. “É criar um mercado de gás, que atualmente é incipiente.” O projeto deve ser enviado ao Congresso Nacional no segundo semestre. Segundo a diretora, a expectativa é dobrar o volume produzido até 2030. “A gente quer que o projeto ofereça os sinais econômicos corretos para atrair mais investimentos.” Trata-se de um movimento positivo para a indústria, que conta com a ampliação do gás para ganhar competitividade. Isso se os nós regulatórios como o de São Paulo não atrapalharem.