11/11/2019 - 8:00
O ano de 2019 será lembrado por muitas coisas. A História, porém, pode guardar um lugar especial para o fato de que foi o ano em que, por todo o planeta, pessoas comuns, em nenhuma posição de poder, decidiram ir às ruas de seus respectivos países por uma causa inocente, de tão clássica: um mundo melhor. Chile, Indonésia, Líbano, Haiti, Equador, Hong Kong, Espanha. Estes são só alguns dos lugares em que verdadeiras convulsões sociais paralisaram as sociedades locais e forçaram cada um de seus governos a reconhecer que há algo de errado e que o mundo está insatisfeito.
Quase a totalidade dos protestos acontece em países em desenvolvimento, em que os sistemas democráticos e de apoio social são recentes ou precários. No Chile, o estopim foi anúncio do aumento do preço do transporte público em outubro, evoluindo para pedidos de melhoria gerais dos serviços sociais, como saúde e aposentadorias. Na Bolívia, tudo começou também no mês passado, com a reeleição do presidente Evo Morales, para seu quarto mandato, em que a idoneidade do processo eleitoral foi colocada em xeque. No Líbano, a crise econômica, mais o anúncio de que ligações feitas pelo aplicativo WhatsApp seriam cobradas, foram o motivo. No Iraque, a população reivindica o fim da corrupção e um novo sistema de governo. No Haiti, Argélia e Rússia, mais no início do ano, houve uma mistura das causas anteriores.
Independente da causa Todos confluem para a ideia de que para a população mundial menos favorecidas, a desigualdade e a falta de representatividade real no sistema político vigente não são mais toleráveis e que a maior parte da riqueza do mundo não pode ficar na mão somente no 1% mais rico do planeta. Em suma, para especialistas, o capitalismo é visto como falho e, daí, a insatisfação se torna algo palpável, como os protestos de agora, muitas vezes violentos. Eles não passarão despercebidos por órgãos globais, como as Nações Unidas e o Fundo Monetário Internacional (FMI). “Estamos vendo manifestações em lugares diferentes, mas existem alguns pontos em comum. As pessoas estão se sentindo sob extrema pressão financeira”, afirmou Stéphane Dujarric, porta-voz do FMI no fim de outubro.
A ONU e o FMI, porém, não têm poder de ação nesses casos e a reação inicial para todos eles tem sido a repressão por parte dos respectivos governos, com uso de gás lacrimogêneo, jatos de água e até armas de fogo. O número de mortos ao longo dos protestos é estimado em centenas.
Porém, apesar de cada vez mais comuns, os protestos têm trazido menos mudanças. Duas décadas atrás, 70% dos protestos exigindo mudanças políticas sistêmicas alcançaram algum tipo de êxito – um número que vem crescendo constantemente desde os anos 1950, de acordo com um estudo de Erica Chenoweth, cientista política da Universidade Harvard. Mas em meados dos anos 2000, essa tendência se inverteu. As taxas agora são de 30%.
É como se à medida que os protestos se tornam mais frequentes, mais contenciosos, mais visíveis – e mais aptos a voltar às ruas quando suas demandas não forem atendidas – eles, paradoxalmente, perdem sua proeminência, tornando-se lugar comum. O Brasil tem um exemplo recente. Em 2013, as principais cidades do País foram paralisadas, mas quase nenhuma mudança efetiva se seguiu.
Isso não traz muita esperança e desperta incertezas, pois significa que mesmo em localidades onde os protestos já foram apaziguados, existe grande chance de ressurgirem, sem data para acabar. A instabilidade política acaba repercutindo nas economias desses países e, assim, o capitalismo entra em um ciclo em que é o algoz, sem poder trazer soluções para suas mazelas.