Economistas, engenheiros e advogados já tentaram. Agora é a vez do filósofo. Raymundo Magliano Filho foi empossado, na semana passada, como o presidente que tentará trazer de volta a luz à Bolsa de Valores de São Paulo. Ele assume o posto num dos momentos mais difíceis dos 111 anos da história da Bovespa, quando a casa, que movimentava US$ 1 bilhão por dia em 1997, mal consegue emplacar US$ 300 milhões. ?Raymundinho?, dinhoho?, nho?nho, como é conhecido no mercado, é um amante da filosofia, que estuda como diletante há 18 anos, freqüentando aulas particulares com um professor da USP. Como admirador do pensador italiano Norberto Bobbio, que diz que um dos princípios básicos da democracia é a transparência, Magliano acha que essa é a virtude da qual o mercado acionário mais carece para se desenvolver. Para incentivá-la, seu primeiro despacho no conselho foi a criação do cargo de ombudsman, uma espécie de ouvidor para mediar os conflitos entre investidores e corretoras. Foi a admiração por Bobbio que o aproximou, há alguns anos, de um de seus melhores amigos, o vice-presidente Marco Maciel, outro filósofo das horas vagas. Logo após tomar posse, Magliano embarcou para Brasília para visitar o amigo e contar seus projetos.

Tido entre seus pares como um sujeito extremamente intelectualizado, o novo presidente ultimamente freqüenta aulas de antropologia e política. Sobre o mercado, porém, a maior parte de seu conhecimento vem mesmo é de berço. ?Raymundinho? é herdeiro de uma das mais tradicionais famílias do mercado paulista. Filho de Raymundo Magliano, fundador da corretora de mesmo nome e presidente da Bovespa no início da década de setenta, ele atua no mercado portando o título patrimonial mais antigo ? o número 1 ? da Bolsa. Ele ainda conserva, na sede da Magliano, a mesa na qual os corretores se reuniam para fazer as primeiras operações, em 1895, na gestão do fundador Rangel Pestana. Na semana passada, ele falou à DINHEIRO sobre o mercado de capitais brasileiro:

OMBUDSMAN O modelo é inspirado na Bolsa de Madri, na Espanha, que tem um ouvidor há quase 10 anos. Sua função será mediar conflitos entre corretoras e investidores. Ele terá mandato de quatro anos e começará a trabalhar nos próximos meses. ?Hierarquicamente, ele não estará submetido a ninguém. Nem a mim?, explica Magliano. Esse profissional também será responsável por fazer uma autocrítica do trabalho da Bolsa e do mercado. Antes, os conflitos entre corretoras e investidores eram resolvidos pela Bolsa, pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e até pela Justiça comum. ?Agora, os investidores terão um canal aberto e específico para suas reclamações e sugestões?, diz.

NOVO MERCADO ?Acho que devemos concentrar nossos esforços em desenvolver o mercado acionário. O novo pregão é um componente vital nessa equação. Serão aceitas apenas as empresas que fizerem uma opção pela transparência, o respeito aos direitos dos minoritários. Aí sim vamos crescer sobre uma base sólida de companhias?, diz. Para o presidente, isso não geraria vantagens apenas para a Bovespa, mas para o País. ?Isso minimizaria a exposição do Brasil no caso de uma crise como a da Ásia?, teoriza.

FECHAMENTO DE CAPITAL ?Vamos estudar mecanismos para evitar que as companhias continuem fugindo da Bolsa?, diz Magliano. O problema é que os casos mais traumáticos, até agora, foram aqueles das companhias estrangeiras que venceram leilões de privatização e decidiram fechar o capital das empresas adquiridas ? como a Telefonica, que comprou a Telesp, e o Santander, que abocanhou o Banespa. ?Infelizmente é assim. A privatização foi feita dentro de uma lógica que privilegiava fazer caixa para o Estado, e não desenvolver o mercado de capitais?, diz. Ele defende que, nos próximos leilões, sejam feitas vendas pulverizadas, como na Inglaterra e na Alemanha. ?Isso estimularia o mercado acionário, como aconteceu com a operação da Petrobras, que foi um grande sucesso.?

LEI DAS S.A. Magliano não tem grandes esperanças na aprovação de uma lei das S.A. que proteja os minoritários. ?É difícil até na Alemanha. Lá, como no Brasil, o processo legislativo é lento. Por isso foi criado o Neuer markt, uma bolsa onde os direitos são garantidos pelo regulamento interno, não pela legislação?, explica. Ele espera que o novo mercado brasileiro cumpra a mesma função. Com isso, o pequeno investidor se sentiria atraído para as bolsas, como acontece nos Estados Unidos. ?Os clubes de investimento estão se popularizando, o nosso home-broker duplicou no ano passado. Os jovens, os universitários, que têm acesso à Internet, já não têm medo de investir na Bolsa.?