A gravata que Octavio De Lazari Júnior, o diretor-presidente do Bradesco, veste na foto ao lado, é uma deferência aos leitores da DINHEIRO. Há alguns meses, toda a alta cúpula do banco foi dispensada de vestir o acessório — uma liberalidade impensável para o fundador Amador Aguiar. “Agora só usamos gravatas quando temos reuniões com alguma autoridade”, diz Lazari.

Usar gravata pode ser um assunto secundário. No entanto, é apenas uma das muitas mudanças que vêm ocorrendo na Cidade de Deus, sede do Bradesco, em Osasco, região metropolitana de São Paulo. Há pouco menos de um ano na presidência, Lazari vem derrubando alguns dogmas, sobretudo na forma de encantar os clientes. E os resultados são claros. Nos três primeiros trimestres de 2018, a última linha do balanço exibiu um lucro líquido recorrente de R$ 15,7 bilhões, alta de 11,1% em relação ao mesmo período de 2017. O Bradesco emprestou mais: nesses nove meses, foram concedidos R$ 523 bilhões em empréstimos, ante R$ 487 bilhões entre janeiro e setembro do ano passado. Também emprestou melhor: nesse período, a provisão para devedores duvidosos – a fatia dos empréstimos que são considerados praticamente perdidos – caiu 29%, de R$ 15,2 bilhões em 2017 para R$ 10,8 bilhões neste ano. Com tudo isso, a rentabilidade patrimonial anualizada no terceiro trimestre foi de 19%, um ponto percentual acima da média dos trimestres anteriores. “E eu já avisei que, a partir de agora, 19% ao ano é o piso, é o mínimo aceitável”, diz Lazari. Esses resultados garantiram ao executivo de 55 anos de idade e quase 40 de banco o prêmio de EMPREENDEDOR DO ANO de 2018.

Para manter os lucros em ascensão, Lazari está promovendo alterações profundas na maneira de tratar a freguesia. “Antes o banco era um couraçado e os clientes navegavam ao redor dele. Agora, colocamos o cliente no centro e pensamos o tempo todo como podemos atender melhor às necessidades dele.” Como essas inovações dependem bastante de tecnologia, as portas de abriram para quem pode desenvolver soluções. Por meio da InovaBra, misto de aceleradora e incubadora, já são 160 as fintechs e startups que auxiliam no desenvolvimento de produtos e serviços, especialmente para os celulares. No início do segundo trimestre, o Bradesco começou a distribuir seguros pelos celulares. E os resultados surpreenderam. “Esperávamos vender 250 mil apólices, mas vendemos 500 mil”, diz Lazari. “Ninguém imagina que alguém vai contratar um seguro odontológico às três horas da manhã do sábado, mas acontece.” Assim como nos seguros, os empréstimos concedidos por meio de celulares também vem crescendo aceleradamente.

Segundo o presidente, na média são concedidos 80 mil financiamentos para pessoas físicas nos fins de semana, 40 mil por dia. Às sextas-feiras, são fechados de 28 mil a 30 mil negócios desse tipo. A lógica é simples. Pedir dinheiro emprestado não é uma situação agradável. Se o cliente puder fazer isso sem ter de conversar com um gerente, fica mais fácil. “E aos fins de semana as pessoas têm mais tempo e tranquilidade para calcular se o total é adequado, se o prazo é o melhor e se as parcelas cabem no bolso.” O banco inovou também na maneira de conceder empréstimos imobiliários. Em vez do arranjo habitual, em que um gerente analisava a papelada de cada mutuário em potencial, agora os processos passam por uma estrutura semelhante à das linhas de montagem. Com isso, o prazo habitual de 60 dias para aprovação de um pedido caiu à metade, e o banco concedeu R$ 7,2 bilhões nesses financiamentos nos três primeiros trimestres.

Conexão: o uso de Inteligência Artificial no atendimento é uma ferramenta para a eficiência

A maior alteração foi criar novas formas de a clientela se relacionar com o Bradesco. Desde sua fundação, a meta era conquistar correntistas. Deu certo: hoje, são 27 milhões de contas-correntes ativas. Porém, de sua experiência na seguradora, Lazari percebeu um potencial não-explorado muito grande. Os computadores da Bradesco Seguros têm 50 milhões de pessoas em sua base de dados. Desses, 28 milhões não têm contas-correntes, mas possuem apólices de seguro, planos de previdência ou de capitalização. “A conta-corrente deixou de ser a única chave para o cliente entrar no banco”, diz o executivo. “Podemos nos relacionar com eles de várias maneiras, sem que eles sejam obrigados a abrir uma conta.” Por isso, no início do terceiro trimestre foi criada uma diretoria estatutária focada apenas em não-correntistas. E os prognósticos são animadores. “Quantas empresas começam com uma base de 28 milhões de clientes para trabalhar?”, pergunta o executivo.

O mercado concorda com o otimismo. No ano, até o dia 28 de novembro, as ações do banco subiram 26,6%, dez pontos percentuais acima do Índice Bovespa e um ponto percentual mais que o índice setorial do mercado financeiro. Segundo Tatiana Brandt, analista da Eleven Financial, o banco tem sido muito bem-sucedido em ampliar a concessão de empréstimos e, ao mesmo tempo, manter baixos tanto os custos quanto as provisões para devedores duvidosos. “A qualidade das novas safras de crédito é superior à das anteriores, algo fundamental para a sustentação dos resultados futuros”, escreveu ela em um relatório do início de novembro. Ela recomenda a compra dos papéis, com um preço-alvo de R$ 42,00, representando uma alta potencial de 9,3%.

Quinto presidente do banco em 75 anos, Lazari cumpriu a trajetória habitual. Começou a trabalhar no Bradesco, seu único empregador, aos 15 anos como contínuo, em boa parte por pressão familiar. O palmeirense Lazari treinava nas categorias de base da Sociedade Esportiva Palmeiras, mas seu pai preferia vê-lo seguir uma carreira menos incerta. Assim como Luiz Carlos Trabuco Cappi, seu antecessor no cargo, passou por vários postos até ascender ao comando da seguradora, divisão estratégica para garantir os resultados em anos difíceis. O bom trabalho o capacitou para a presidência entre os sete vice-presidentes executivos. Mesmo admitindo que a nova função ampliou uma jornada de trabalho já extensa, Lazari se diz animado. “Minha função ganhou mais propósitos. Melhorar o desempenho do banco é minha obrigação, mas nós, brasileiros que lideramos grandes empresas, também temos de ser mais ativos para melhorar o País.”


“A transição do tijolo para o click está acelerada”

O diretor-presidente do Bradesco entende que novas tecnologias, capazes de melhorar produtos e serviços, são hoje cruciais para a boa performance de um banco. Sua resposta é o Inovabra, que abriga 160 startups. “As fintechs não são concorrentes, são parceiras”, afirma Lazari

Quando o sr. assumiu a presidência, em março, o sr. disse que sua função era preservar o que precisava ser preservado e adaptar o que precisava ser adaptado. Como isso está funcionando na prática?
A transição do tijolo para o click está acelerada. Não é por acaso. É uma consequência dos passos e das mudanças que implantamos para isso pudesse acontecer. Um bom exemplo é a Inovabra, que é um ecossistema criado para promover a inovação dentro do Bradesco. Há muita coisa lá. Temos 160 startups desenvolvendo novas tecnologias para melhorar depressa os produtos e serviços que precisamos entregar para nossos clientes.

O que mudou?
Nossa maneira de construir produtos e serviços. Antes era desenvolvido pela área de TI, agora que faz são as pessoas que vão vender os produtos e serviços do banco. Passamos a olhar o Bradesco sob a ótica do cliente, o que propiciou uma mudança muito grande na qualidade. Há vários exemplos. O cliente pode customizar os APPs como quiser. Também criamos um portal para microempreendedores individuais, os MEIs. Hoje, o empreendedor entra no portal que desenvolvemos e pode contratar um contador ou baixar um programa de controle de estoque, ou fazer um custo de educação financeira no Sebrae. Com nossos parceiros, desenvolvemos isso em apenas 90 dias. Também reduzimos o prazo de concessão de empréstimos imobiliários. Antes a aprovação demorava de 60 a 70 dias, hoje sai em 30 dias. Colocamos especialistas em uma esteira para analisar a documentação, e a contratação ficou mais ágil. Já concedemos R$ 7,2 bilhões em novos empréstimos neste ano.

O banco está usando os conceitos de marketplace?
A indústria financeira e especialmente o Bradesco enfrentam um grande desafio. Temos quatro gerações de clientes, dos baby boomers até os millenials. Como distribuir centenas de produtos para uma base tão diversificada? Optamos por colocar tudo no celular e o cliente contrata quando tiver tempo. A seguradora vendeu 500 mil itens por celular, o dobro do que havíamos previsto. Temos clientes que compram planos de seguro odontológico às 3 horas da manhã de um sábado. Não era algo que estávamos esperando, mas aconteceu. Atualmente, um terço dos empréstimos é concedido via celular. Já concedemos mais empréstimos nos fins de semana do que nos dias úteis. São 28 mil concessões em uma sexta-feira, e 40 mil no sábado e outros 40 mil no domingo.

Por que isso acontece?
O fim de semana é a hora que a pessoa tem tranquilidade para consultar o sistema, estudar a proposta, avaliar se o prazo ou o valor são os mais adequados. E isso evita que o cliente tenha aquele constrangimento de ter de pedir o crédito. O cliente se sente empoderado, protagonista do que quer fazer com a própria vida.

A parceria com as fintechs é para evitar que elas se tornem concorrentes?
As fintechs não são os concorrentes que tememos. Elas são muito mais parceiras que podem nos ajudar a encontrar soluções mais rápidas do que concorrentes. A minha preocupação é com as big techs, com Amazon, Google, Facebook. Essas é que são concorrentes pesadas. Seu poder de distribuição é grande. E a partir do momento que tudo é eletrônico, elas podem vir disputar nosso mercado.

Essas empresas oferecem muito risco ao negócio?
Oferecem um risco de médio a alto. Elas têm tamanho e tecnologia e têm acesso a bases muito amplas de clientes. Temos de nos adaptar, mudar o modelo de negócios para poder concorrer. Mas eu sempre lembro as pessoas que banco, crédito e dinheiro dependem de confiança. Se nós tivermos a sabedoria de entender as necessidades de cliente e atendê-las com conveniência, vamos continuar no mercado. Por exemplo, criamos uma área exclusiva para não-correntistas no banco. Assim, quem não tem conta-corrente poderá ser atendido.

Para vender o que?
Esse é o desafio. Temos 27 milhões de correntistas. A conta corrente é a chave para a entrada no banco, mas ela é só um dos produtos do banco. A partir de agora, não mais. Na seguradora há 50 milhões de segurados, mas apenas 22 milhões são correntistas do Bradesco. Temos 28 milhões de pessoas que já tem relação, seja por meio de um seguro, de um plano de capitalização. Eu preciso estar perto deles. Claro que vou continuar querendo abrir contas, mas esses clientes poderão entrar no banco pelo CPF, pelo CNPJ. Eles terão um marketplace para se relacionar com o banco, sejam ou não correntistas.

Qual seu prognóstico para 2019?
Estamos otimistas. As pessoas que vêm sendo indicadas para a equipe econômica têm opiniões acertadas e ponderadas. A pauta é extensa. Temos de fazer uma reforma da previdência, uma reorganização tributária para gerar empregos. Mas eu converso com analistas internacionais, e todos querem investir no Brasil. O País é estratégico para a economia mundial.

O sr. está prestes a completar seu primeiro ano na presidência do banco. O que mudou na sua vida?
Estou trabalhando mais, mas estou tão feliz quanto antes. A maior mudança é perceber o quanto o nosso país é importante não só para os brasileiros, mas também para a economia mundial. Os propósitos da minha jornada aumentaram. Melhorar o desempenho do banco é minha obrigação, fui escolhido para isso. Mas eu acredito que nós, brasileiros que lideram grandes empresas, temos de ser mais protagonistas. Temos de ser mais presentes, mais ativos no contato com os governos, para poder melhorar o País. Para que esse crescimento que se espera não seja mais um voo de galinha.


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