O inferno astral da Petrobras parece não ter fim. Depois de escândalos, ingerência do governo e mudanças de comando, a empresa ainda enfrenta dificuldades com as autoridades do mercado de capitais. No dia 5 de março, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), confirmou a abertura de um processo administrativo para investigar um suposto uso de informações privilegiadas para movimentos especulativos com as ações da estatal. Conhecidas como “insider trading”, essas irregularidades teriam gerado lucros de R$ 18 milhões a um único investidor, que supostamente soube, antes de todos os demais, que o governo planejava trocar a presidência da estatal. Além de arranhar sua imagem no mercado, a Petrobras agora terá de conviver com preocupações dos investidores brasileiros e internacionais quanto à solidez de sua governança corporativa.

O caso será investigado pela Superintendência de Relações com o Mercado e Intermediários (SMI) da CVM, que não revelou detalhes da apuração. A expectativa em relação ao assunto é alta, uma vez que há dúvidas cruciais sobre o vazamento das informações. A principal é com relação à sua origem, se elas saíram de dentro da empresa ou do governo, seu controlador. A resposta terá de ser buscada pelos subordinados de Marcelo Barbosa, presidente da CVM.

Enquanto isso, a vida na estatal tenta prosseguir. A empresa havia agendado para o dia 12 de abril uma Assembleia Geral Extraordinária (AGE) para destituir Roberto Castello Branco e entregar o cargo de diretor-presidente ao general Joaquim Silva e Luna, escolhido por Bolsonaro. Também estava marcada a eleição do presidente e de oito membros do Conselho de Administração, após alguns decidirem deixar a companhia.

ALTA DE PREÇOS A confusão custou caro aos acionistas da estatal, que viu seu valor de mercado despencar nos pregões. E veio em um momento no qual a companhia parecia estar retomando o caminho da lucratividade. “A Petrobras vinha se recuperando, os preços do petróleo também e tudo parecia que caminhava bem até acontecer toda essa reviravolta”, afirmou o analista da casa de análises Top Gain, Alison Correia.

INSIDER TRADING Um único investidor teria obtido ganhos de R$ 18 milhões apostando na queda das ações da empresa, problema para Marcelo Barbosa, da CVM, investigar. (Crédito:Ana Paula Paiva)

A nevasca no Texas elevou as cotações no mercado internacional e a Petrobras, grande importadora de derivados, vinha conseguindo repassar esses aumentos. Em 2021, a gasolina e o óleo diesel acumulam altas de, respectivamente, 53% e 40%. Para comparar, a inflação medida pelo IPCA em janeiro e fevereiro é de 1,11%.

Esses aumentos acabaram afetando os caminhoneiros, uma das bases apoiadoras do governo de Jair Bolsonaro, e o presidente decidiu interferir. Isso trouxe à tona memórias de um fantasma que assombra as estatais há décadas, a ingerência política, algo que costuma afugentar investidores. “No Brasil, a expectativa do mercado de capitais é mais baixa, porque já estamos mais acostumados com intervenções. Mas nos Estados Unidos a conversa é outra e a Petrobras já enfrentou processos e pedidos de indenizações por coisas assim”, disse o advogado especialista em Direito Societário, Antonio Tavares Paes Jr. Segundo ele, a existência de informação privilegiada deve ser mais difícil de ser apurada, por se referir mais a um delito individual do que à companhia. Questionada, a empresa afirma que vai aguardar o resultado da investigação da CVM, que é responsável pelo assunto.

Sem esperar pelo resultado, os investidores colocaram as barbas de molho, temendo pela continuidade do plano estratégico da empresa. Correia e outros analistas retiraram sistematicamente as recomendações de compra para as ações da estatal.

A decepção não é pequena, uma vez que foi durante a gestão de Castello Branco que a estatal registrou o maior lucro trimestral da história das empresas de capital aberto brasileiras, de R$ 59,9 bilhões, no período entre os meses desetembro a dezembro de 2020. Agora, é preciso aguardar os próximos capítulos dessa longa novela para saber para onde vai a Petrobras.