Falecido na terça-feira (15), aos 99 anos, de causas naturais, Aloysio de Andrade Faria foi o último de uma geração de banqueiros cujo trabalho deu forma ao moderno sistema financeiro brasileiro. Ao lado de nomes como Lázaro Brandão (1926-2019), do Bradesco, e Olavo Egydio Setubal (1923-2008), do então Itaú, Faria transformou uma pequena casa bancária mineira no Banco Real, um dos mais cobiçados ativos do sistema financeiro brasileiro. “O Banco Real introduziu métodos inéditos de gestão de pessoas, por meio do estímulo à formação das carreiras, e de produtos financeiros inovadores, como o cheque especial sem cobrança de juros durante parte do mês”, escreveu Luiz Carlos Trabuco Cappi, presidente do Conselho de Administração do Bradesco, ao comentar a morte de Faria.

Mesmo sendo conhecido pelo Real, sua trajetória empresarial foi muito além disso. Faria vendeu a instituição financeira aos holandeses do ABN Amro, por US$ 2,1 bilhões, em 1998. Foi o maior preço pago até então por um banco brasileiro. Esse dinheiro se multiplicou. O executivo ocupava o 55º lugar na lista dos mais ricos do Brasil no ranking de 2020 da revista Forbes, com fortuna estimada em R$ 8,3 bilhões.

Bilionário após vender o banco e já com 78 anos, Faria poderia ter se dedicado a aproveitar a vida. Porém, empreendedor e perfeccionista, ele manteve o Banco Real de Investimentos, que posteriormente transformaria no Banco Alfa. Apesar de ter delegado as funções executivas e os trâmites do dia a dia a um punhado de executivos de confiança, comparecia semanalmente à sede da instituição, na região da Avenida Paulista, em São Paulo, fiel à regra segundo a qual apenas o olho do dono garante a engorda do gado. A comparação não é por acaso. O banqueiro foi um dos criadores da PecPlan, empresa de genética animal que se dedicou a melhorar o desempenho do gado holandês que Faria trouxe ao Brasil. Ele também foi pioneiro em diversas outras empreitadas. Criou o primeiro resort do Brasil, o Transamérica, na Ilha de Comandatuba, na Bahia, que se tornou a rede de hotéis Transamérica. Criou a distribuidora de materiais de construção C&C, a engarrafadora de água mineral Águas da Prata e a produtora de óleo de palma Agropalma, entre outras. Era um grande apreciador de sorvetes, mas as marcas brasileiras não agradavam ao gourmet e médico gastroenterologista, seja pelo paladar, seja pelos ingredientes. Sua solução foi criar uma rede de sorveterias e a marca La Basque. Fazia questão de escolher e aprovar os sabores.

CAFÉ COM LEITE Nascido em Belo Horizonte, Faria veio de uma família rica e ligada à velha política do café com leite, na qual as oligarquias mineira e paulista dividiam o poder. Tanto seu avô quanto seu pai, Clemente de Faria, eram latifundiários e políticos. Desejoso de diversificar os negócios, Clemente fundou, em 1924, o Banco da Lavoura de Minas Gerais, cuja regra era “emprestar pouco para muitos”, estratégia parecida com a adotada por Amador Aguiar, que fundaria o Bradesco duas décadas mais tarde. A princípio, Aloysio não pensava em ser banqueiro. No entanto, em 1948, a morte do pai o levou a assumir o banco, ao lado do irmão Gilberto, que faleceu em 2008. Ambos dividiram a gestão da empresa, até Gilberto, que era genro de Tancredo Neves e padrasto do senador Aécio Neves, decidir tentar a carreira política. Ele foi deputado federal pelo PSD e pela Arena entre, 1963 a 1971, ano em que os dois irmãos se desentenderam. Dividiram o banco entre o Real (que ficou com Aloysio) e o Bandeirantes (que coube a Gilberto) e nunca mais se falaram.

Viúvo desde 2017, após um casamento de sete décadas, pai de cinco filhas e avô de 17 netos, o discreto Faria se permitia alguns luxos, como um jatinho e um Porsche, mas evitava cuidadosamente qualquer ostentação e detestava aparecer. “Você nunca o encontraria fumando charuto cubano e bebendo Romanée Conti”, disse o ex-ministro Antonio Delfim Netto, que conviveu com Faria por décadas. O que motivava Faria eram os negócios. Minucioso e centralizador, ele conferia de perto o trabalho de seus executivos, todos homens de confiança e tão discretos quanto ele próprio quando o assunto era aparecer. Uma história ilustra bem o perfil do banqueiro. Após ter fechado o negócio com o ABN, Faria estava escolhendo os homens de confiança que trabalhavam no Real e o seguiriam para o banco Alfa. Ao ser convidado, um executivo aceitou o chmado, agradeceu profusamente e perguntou: “O que vou fazer no banco, doutor Aloysio?”. O banqueiro levantou os olhos e soltou uma resposta inesperada. “Meu caro, você está perguntando demais. Se está com dúvidas, melhor ficar por aqui, mesmo.” O tal executivo permaneceu no ABN.