O IPCA, principal índice de inflação no Brasil, está perigosamente se aproximando dos dois dígitos. Com a alta de 0,83% em maio (a maior para o mês em 25 anos), ele avançou de 8,06% nos últimos 12 meses. A taxa é bem acima dos 5,25% da meta do governo e reforça a gravidade de um problema que já dava sinais de alerta. O dragão, que parecia adormecido, ainda pode queimar bastante. E, para isso, tem um parceiro à frente do Ministério da Economia. Paulo Guedes quer mais é que os preços subam. A carestia gera mais impostos. Em abril, o governo arrecadou 48% mais que um ano antes, e um dos motivos foi o IPCA. “Outros governos não souberam lidar com o dragão, e isso até hoje assombra o brasileiro”, disse o PhD finanças pela Universidade Stanford, Luis Carlos Hof-fman.

No discurso oficial, o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, garante que a inflação é passageira, irá arrefecer e ficará dentro da meta. Nas entrelinhas, ele condiciona esse resultado a questões que fogem do controle do governo, como alta da Selic e o avanço das pautas econômicas no Congresso. “As privatizações e abertura econômica estimulam a concorrência e reduzem preços ao consumidor”. Segundo ele, mesmo que aumente a arrecadação, inflação “sempre atrapalha”.

O secretário está certo. Primeiro porque, uma vez desperto, o dragão tende a sair do controle. Segundo, porque na avaliação do IBGE, instituto que mede o IPCA, a alta vem dos custos de produção. “Não dá para falar em inflação de demanda. Ainda temos um contexto de desemprego alto e renda comprimida”, afirmou Pedro Kislanov, responsável pelo estudo que calcula o índice. Ou seja, não é o brasileiro que está gastando mais. As razões para a alta dos preços são duas: aumento da demanda externa e maior custo da energia, provocado pela falta de chuvas. Com os reservatórios das hidrelétricas em níveis preocupantes, o governo precisou recorrer a termoelétricas, em alguns casos sem licitação, e acionou a bandeira vermelha, elevando a conta de luz. A falta de chuvas também impacta no preço dos alimentos, já que a seca resulta em quebras de safras na lavoura e encarece a produção de proteína animal. Nos últimos 12 meses, o preço da carne para o consumidor final já avançou 38%.

ALTA NAS GÔNDOLAS: Em 12 meses, o preço da carne já avançou 38% e pressina o bolso do brasileiro. (Crédito:Eduardo Matysiak)

Para as empresas, a alta dos custos de energia preocupa, já que não há espaço para repasse ao consumidor. Étore Sanches, economista-chefe da Ativa Investimentos, afirmou que, dependendo da área, a conta de luz pode chegar a 30% da composição final do produto na gôndola.

INVESTIMENTOS Na segunda-feira (7), o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) enviou para a Agência Nacional de Águas (ANA) uma nota informando que oito reservatórios do sistema interligado podem entrar em colapso até novembro devido à seca. O governo federal informou que irá rever contratos de térmicas para reativar as que estavam paradas ou demandam pequenas obras. Para Rui Chammas, CEO da Isa Cteep, maior grupo privado em transmissão de energia, ainda que o País possua um sistema integrado de distribuição muito robusto, “o cenário de seca é procupante”. Uma solução adequada depende dos grandes investimentos que estão a caminho no setor elétrico, estimados em R$ 100 bilhões entre 2020 e 2030. “Eles vão garantir ao País ter mais segurança energética nos próximos anos”, disse.

No Legislativo, planos de médio e longo prazo também existem, e alguns deles podem mais atrapalhar que ajudar. O Projeto de Lei 5829/2019, por exemplo, dá benefícios para quem gerar energia solar ou eólica, mas eleva a tributação nas hidrelétricas. Há ainda a discussão sobre a privatização da Eletrobras. Com vencimento do texto em 22 de junho, o tempo urge. Em entrevista recente, o secretário de privatizações do governo federal, Diogo Mac Cord, afirmou querer que a privatização avance porque com isso seria possível reduzir tarifas e evitar problemas de abastecimento e risco de apagão.

Deixar a população no escuro e sem comida é um risco elevado para um governo com interesse em um segundo mandato. Para o economista Luiz Carlos Hoffmann, a conta de luz e os preços dos combustíveis e da carne são fatores que podem fazer a população cobrar o governo. Para ele, apenas uma intervenção nos preços poderia fazer a meta de inflação ser mantida. “Acho uma escolha perigosa porque uma hora esse preço represado vai ser cobrado. Seja para o consumidor, acionistas ou o próprio governo”, disse. Mais otmista, André Braz, coordenador de índices de preços da Fundação Getulio Vargas (FGV) prevê desaceleração do IPCA nos próximos meses. “Nossa exposição a uma inflação forte tende a diminuir. Podemos ter um IPCA de 6,3%”, afirmou.