Com um cheque Bradesco no valor de U$ 3,3 bilhões, o governo federal provou ao Brasil que o caminho das privatizações não tinha volta. Era maio de 1997, e a Companhia Vale do Rio Doce, um gigante da siderurgia idealizado pelo presidente Getúlio Vargas para preservar as reservas minerais brasileiras, acabava de ser vendida para a iniciativa privada. Junto com os ativos da empresa, o consórcio Brasil, vencedor do leilão e liderado pela Companhia Siderúrgica Nacional, levou dívidas no valor de US$ 3,5 bilhões. Era apenas um anúncio do que estaria por vir. Um ano depois, as 12 holdings criadas pela divisão do Sistema Telebrás renderam R$ 22 bilhões. Em 2000, o leilão do Banco do Estado de São Paulo, Banespa, alcança quase o mesmo valor da CVRD ? os espanhóis do Santander ficaram com a instituição paulista. Ao todo, 68 empresas e participações acionárias de governos estaduais e federais foram vendidas em sete anos. Algumas sob forte protesto dos nacionalistas de plantão, como no caso da Vale e do Banespa, marcadas por passeatas e confusão nos centros de São Paulo e do Rio de Janeiro. Pelos cálculos do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES),
US$ 105,5 bilhões entraram nos cofres do governo, como resultado total das privatizações.

?Só que o valor é ínfimo diante da dívida pública?, afirma o professor Istvan Kascnar, da Fundação Getúlio Vargas. ?As privatizações diminuíram o inchaço da máquina estatal, algo digno de aplausos. O método usado, porém, teve efeitos colaterais, como o desemprego.? Segundo o professor, essas empresas eram grandes empregadoras e muita gente não conseguiu se recolocar no mercado depois da reestruturação promovida pelos novos donos. Para ele, a saída mais inteligente seria a oferta pública dessas ações à sociedade, como foi feito recentemente com Petrobrás, Banco do Brasil e Vale do Rio Doce. É um sistema em que os trabalhadores podem comprar a participação com dinheiro do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. ?Seria uma forma correta de democratizar o capital e ainda aumentar as transações do mercado financeiro.? Mesmo com todas as críticas, não há como negar que durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso um paradigma foi quebrado. ?Ele mostrou que o capital estrangeiro não é algo maléfico e que o Poder Executivo tem mais a fazer do que gerenciar empresas?, conclui Kascnar.

 

Antes de FHC, apenas José Sarney havia se arriscado a privatizar. Durante o mandato de José Sarney 38 estatais foram vendidas. Cerca de US$ 780 milhões, arrecadados. O processo desacelerou durante os governos Fernando Collor e Itamar Franco. ?Privatizar é uma iniciativa que depende do envolvimento direto do presidente?, afirma Armando Castellar Pinheiro, economista-chefe do BNDES. Tanto que o primeiro ano de governo FHC, 1995, foi marcado pelos preparativos para as vendas, como as mudanças constitucionais necessárias para ocorrer os leilões e as concessões. Daí para as grandes vendas que ocorreram nos três anos seguintes foi fácil. Depois de 1998, as vedetes da privatização foram os bancos estaduais, com destaque para o Banespa. ?O resultado final de todo esse processo foi desenvolvimento?, afirma Castelar. ?Pôs fim a vários ?gargalos?: estradas melhores, telefones a R$ 50 e melhorias para o meio ambiente ? um aspecto que as estatais não atendiam corretamente.?

Como as jóias da coroa já foram vendidas, as estatais restantes ? geradoras de energia, companhias de saneamento básico e
demais concessões ? não devem render o mesmo volume de recursos. Há quem duvide ainda da continuidade do processo de privatização. Estes acreditam que um governo petista dificilmente se empenhará em vendê-las. Nada, porém, é impossível. Afinal, foi Antônio Palocci, atual ministro da Fazenda, quem vendeu a Ceterp, companhia telefônica de Ribeirão Preto, quando era prefeito da cidade. Num tempo em que o governo atual nem sonhava em leiloar a primeira estatal.