Em 1957, com Juscelino Kubitschek na presidência, o Brasil colocava em marcha um arrojado plano desenvolvimentista, apoiado na expansão da atividade industrial. A meta era avançar “50 anos em 5”, como dizia o lema da vitoriosa campanha de JK. Entre as prioridades estava estimular a indústria automotiva. Naquele ano, a montadora sueca Scania-Vabis inaugurava sua primeira fábrica brasileira, em São Bernardo do Campo (SP). Hoje, a unidade do ABC Paulista é a segunda maior do grupo. Com 520 mil m2 de área construída, ela tem capacidade para produzir 30 mil caminhões e ônibus ao ano — cada um deles totalmente pronto para sair rodando de lá. No mesmo ano em que a Scania chegava ao País, nascia Christopher Podgorski, um descendente de ingleses e poloneses que iria fazer carreira na empresa. Os caminhos de Podgorski se fundiram com os da Scania há 21 anos.

Desde então, o executivo formado em Administração de Empresas pela Fundação Armando Álvares Penteado, em São Paulo, já dirigiu as operações da montadora no Brasil e no México, antes de passar uma temporada de cinco invernos na Suécia. Em 2017, foi designado para retornar a São Bernardo e assumir as funções de CEO e Presidente da Scania Latin America. Cabe a ele conduzir na região a grande guinada da empresa: conciliar sua histórica tradição como fabricante de veículos pesados à agilidade de uma provedora de soluções logísticas globais. A transição vem sendo construída sobre três pilares: eficiência energética, conectividade e sustentabilidade. “É o que chamamos de ‘caminho Scania’”, diz Podgorski.

Os investimentos para percorrer a jornada rumo ao futuro já estão em curso – e alguns dos resultados começam a aparecer. Na última IAA, a mais importante feira do segmento de transporte de cargas da Alemanha, a Scania apresentou nove novos caminhões, nenhum deles movido a diesel. Em 2018, 4,5% de todos os veículos vendidos pela marca no mundo saíram das fábricas com motores alimentados por combustíveis alternativos e propulsores híbridos, um aumento de 28% nas vendas desse tipo de veículo em relação a 2017. “Embora represente uma indústria calcada na matriz energética de combustível fóssil por mais de um século, há cerca de quatro anos a empresa decidiu que não podemos ser apenas parte do problema. Devemos ser parte da solução”, afirma o CEO. No ano passado, 25% das vendas de ônibus Scania foram de veículos limpos e baixo teor de emissão de carbono.

Pista elétrica: híbrido, o caminhão ao centro recebe a carga vinda dos cabos sobre a estrada

O abandono gradual da matriz fóssil aparece em uma variedade de soluções adotadas pela Scania. Um bom exemplo vem da Colômbia, onde a utilização de gás natural veicular como combustível em veículos de transporte em massa já ocorre em três sistemas: Transcaribe, em Cartagena; Metroplús, em Medellín, e Transmilenio, em Bogotá. O Transcaribe iniciou a operação em dezembro de 2015 e usa 216 ônibus da Scania para transportar 150 mil passageiros diariamente. Já no caso do Transmilenio, maior sistema mundial de BRT (Bus Rapid Transit, na sigla em inglês) com 2,5 milhões de passageiros por dia, a Scania fechou, em 2018, a venda de 741 articulados e biarticulados. “Todos são 100% movidos a gás natural. Foi o maior negócio da história da empresa no segmento de ônibus urbanos”, diz o presidente da Scania na América Latina.

BIOMETANO A Suécia, berço da Scania, é desde a década de 1970 uma referência global em uso de biometano, gás obtido a partir da reciclagem de lixo orgânico. Hoje, a capital Estocolmo tem a maior frota mundial de ônibus com esse tipo de biocombustível. O desenvolvimento de motores movidos a gás começou durante a Segunda Guerra Mundial. No Brasil, a Scania iniciou demonstrações com veículos pesados movidos a biometano em 2014. Em dezembro de 2018, uma parceria entre a Scania e a Citrosuco deu origem aos primeiros testes com um caminhão movido a GNV e biometano.

O modelo, equipado com motor de 410 cavalos de potência, está rodando entre as cidades de Matão, no interior de São Paulo, e Santos, no litoral, transportando suco de laranja para a exportação. A tecnologia, inédita na América Latina, permite que o caminhão rode com GNV, biometano ou uma mistura dos dois combustíveis. A Scania acompanha o desempenho completo do veículo por meio de seus Serviços Conectados. Um módulo instalado no caminhão envia todas as informações das viagens, em um acompanhamento detalhado da operação e individualmente por motorista.

Platoning: baseado em conectividade e Inteligência Artificial, o sistema permite que um só motorista comande todo o comboio. “A condução autônoma aumenta a eficiência”, diz Podgorski (Crédito:Divulgação)

“As soluções que trarão maior eficiência energética ao transporte, seja ele de passageiros ou de carga, não virão de uma única matriz e nem ao mesmo tempo”, diz Podgorski. Por ser signatário do Acordo de Paris de 2015, o Brasil assumiu o compromisso de reduzir 37% das emissões de gases de efeito estufa até 2025, elevando o índice para 43% até 2030. Em paralelo, o País deverá aumentar o peso da bioenergia na matriz energética para 18%. “Nós apostamos no biometano por perceber o enorme potencial dele como alternativa ao diesel”. Estudos apontam que o biogás pode substituir até 44% do diesel consumido hoje no Brasil. “Nós também já desenvolvemos veículos híbridos, com capacidade de até 24 toneladas, e agora apresentamos um modelo plug-in”, afirma o CEO, referindo-se à tecnologia que permite recarregar as baterias do caminhão na tomada.

SEM MOTORISTA “O final dessa jornada será a eletrificação, mas hoje ela ainda não faz sentido do ponto de vista da sustentabilidade econômica e financeira”. O problema maior é o atual tamanho e peso das baterias. No caso dos caminhões, que demandam muita energia, o espaço exigido para armazená-la inviabiliza a operação. Uma saída para esse impasse foi desenvolvida pela Scania em parceria com a Siemens e está em uso na Suécia. Trata-se de uma estrada eletrificada, em que a carga é aplicada nos caminhões em movimento a partir da conexão de uma estrutura montada acima da cabine que aciona os cabos elétricos em um determinado trecho da estrada. A bateria é recarregada sem que o caminhão sequer precise estacionar.

Enquanto desenvolve parcerias para melhorar a eficiência energética e garantir a sustentabilidade do próprio negócio, a Scania testa soluções em transporte de carga nas quais sequer é preciso alguém na cabine. A empresa desenvolveu há mais de dois anos um sistema chamado “platooning” (derivado do termo inglês para pelotão), no qual vários caminhões formam uma espécie de comboio no qual apenas o da frente é conduzido por um motorista.

“Com a condução humana e atual legislação vigente, quem transporta carga ganha pouco com o seu principal ativo, que é o caminhão. Já com a automação, a eficiência é máxima, pois é possível fazer com que o caminhão rode 24 horas, sete dias por semana. Não há limitação da grade horária nem período de descanso. Essa mão de obra será retreinada e direcionada para outra área”. A autonomia é a grande disruptura do negócio de transporte de pessoas e cargas no mundo todo. O “caminho Scania”, citado no início da reportagem, está sendo trilhado não apenas a partir de fontes renováveis de energia, mas sobretudo com a aplicação de novas tecnologias que podem tornar o mundo mais limpo, eficiente e seguro.