O  governo argentino anunciou em tom de celebração um crescimento de 9,4% no primeiro semestre deste ano – comparável ao da China, que registrou 11,1% no mesmo período. A alta no PIB, que deve fechar o ano em pelo menos 8,9%, de acordo com o Banco Central argentino, retoma a média de crescimento do país, interrompida apenas pela crise de 2008, e foi devidamente classificada como “explosão econômica” pela presidente Cristina Kirchner. Depois de crescer, em média, 8% durante seis anos, a expansão de 0,9% em 2009 foi apenas uma pausa numa curva surpreendente. No primeiro semestre, a atividade industrial cresceu 12,4%, com superávit de US$ 6 bilhões na balança comercial. Os números falam por si, mas só seriam incontestáveis se não estivéssemos falando de Argentina. 

 

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Cristina Kirchner: sob a sombra do marido, o ex-presidente Néstor, ela ataca grupos de comunicação, 
desperta a revolta de produtores rurais e espanta investidores estrangeiros

 

A economia está crescendo, graças a uma boa safra de soja e às exportações para a China e o Brasil, mas o governo insiste em maquiar os dados de inflação e permanece submetido a uma política centralizadora e nacionalista. Desde 2007, quando o reputado Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec) passou a se submeter ao governo central, os dados econômicos divulgados pela Casa Rosada vêm se distanciando dos resultados aferidos por institutos independentes, principalmente no que diz respeito à inflação. 

 

“A Argentina é um pais inflacionário que manipula os dados da inflação. Isso cria uma grande insegurança contratual e jurídica, que afasta investimentos estrangeiros”, critica Eduardo Viola, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. 

 

Entre 2005 e 2009, enquanto os investimentos estrangeiros na América do Sul cresceram 25%, o fluxo para a Argentina caiu quase 10%. Nas contas do Indec, a inflação argentina atingiu 11,1% em 12 meses em agosto, mas os economistas do país calculam algo em torno de 25% – comparável apenas às taxas da República Democrática do Congo e da Venezuela. Ainda que o governo tente esconder a situação, os problemas se impõem.
 

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O cenário de insegurança é reforçado pela grande centralização do poder nas mãos do casal Cristina e Néstor Kirchner – o ex-presidente é considerado o homem que chefia de fato o governo – e limitações na autonomia do Judiciário. Em fevereiro, Cristina trocou o presidente do BC por uma amiga, depois que Martin Redrado se negou a seguir instruções do governo. 

 

Cristina também intensificou a ofensiva contra a imprensa. Em sua cartada mais recente, Cristina acusou os responsáveis pelo La Nación e pelo Clarín de colaborar com a ditadura em crimes contra a humanidade e de ter se apropriado indevidamente da Papel Prensa, empresa que produz 75% do papel utilizado pelos periódicos. 

 

A Argentina só se mantém de pé graças à boa maré internacional e aos investimentos em infraestrutura feitos na década de 1990, que ainda permitem ao país competir no mercado mundial de commodities. A safra de 96 milhões de toneladas de soja prevista para 2010 recupera a péssima colheita de 2009 e responde à alta demanda da China num momento em que os preços das commodities não param de subir. 

 

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Desde junho, a cotação da soja teve alta de 15% em relação ao ano passado, consequência da quebra de safras em países do Hemisfério Norte, como a Rússia. Apesar da boa conjuntura, a agricultura argentina passa por tensões desde 2008, quando o governo decidiu elevar o imposto à exportação de grãos e gado. Desde então, os produtores já organizaram várias greves. 

 

A parceria argentina com o Brasil na indústria automobilística também garantirá aos hermanos o recorde de 680 mil unidades – de cada 100 carros produzidos no primeiro semestre, 56 vieram para o Brasil. As exportações colaboram para a coleta de tributos, mas, ao espantar investimentos, a política nacionalista vai tornando insustentável a situação do país, que já sofre com a escassez de energia e vê as indústrias trabalhar com quase 90% de sua capacidade instalada. Que o governo argentino comemore enquanto pode.