Se vivo fosse, Tom Jobim hoje poderia dizer com a boca cheia, “eu avisei”. Em algum lugar do Rio de Janeiro, o músico estaria vestido com seu chapéu Panamá, fumando seu charuto e relembrando o dia em que disse uma de suas mais célebres frases: “O Brasil não é para principiantes”. No fundo, estaria tomado pelos sentimentos antagônicos de quem tem razão, quando preferiria não tê-la.

O motivo veio de Brasília. Na manhã da quarta-feira (15), o Brasil foi surpreendido ao saber, por meio do Diário Oficial, que o presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, e mais dez de seus ministros foram heroicamente premiados com a medalha de mérito indigenista.

Vale o parêntese: tal honraria foi criada por meio do decreto Nº 71.258, de 13 de outubro de 1972 como forma de reconhecer “brasileiros ou estrangeiros que se distinguirem pela prestação de serviços relevantes, em caráter altruístico, relacionados com o bem-estar, a proteção e a defesa das comunidades indígenas do País”.

Bolsonaro ganha medalha do ‘Mérito Indigenista’ do ministro da Justiça

Mas o que Jair Bolsonaro e seus asseclas fizeram pela causa? No Diário Oficial não há espaço para o contexto. Com exceção dos agraciados e do ministro da justiça Anderson Gustavo Torres, que concedeu a medalha, ninguém mais parece saber a resposta. Se sabem, se calam. Mas os indígenas, se manifestaram e a reação não referenda a homenagem.

“Bolsonaro e aliados seguem perseguindo as organizações políticas, lideranças, nossas terras e riquezas. A todo custo querem nos destruir. Não bastasse isso, agora querem homenagem em nosso nome?” Diz um texto publicado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Como contrapartida, a entidade criou a “Medalha do Genocídio Indígena”, uma referência a um pedido feito ao Tribunal Penal Internacional (TPI) de Haia no ano passado para que o órgão “examinasse os crimes praticados contra os povos indígenas pelo presidente Jair Bolsonaro, desde o início do seu mandato, com atenção ao período da pandemia da Covid-19”. Só a existência dessa denúncia já seria o suficiente para que alguém de bom senso no governo, gritasse: “É melhor não”.

Mas ainda tem mais: desmonte da Funai, pressão para aprovação em regime de urgência de projeto de lei que prevê a legalização da mineração em terras indígenas, além de diversas declarações públicas que ofendem e menosprezam a cultura indígena brasileira.

Neste Brasil de hoje, porém, os fatos perdem espaço para factoides e assim o governo vai criando uma narrativa particular, repleta de imagens que está forjando para aparecer bem na foto. Como dizia Jobim, não há espaço para principiantes.