Na noite de quarta-feira 17 de outubro, um evento fechado e exclusivo marcou a inauguração do Four Seasons na Chácara Santo Antônio, bairro da zona sul de São Paulo. Cerca de 100 pessoas estiveram presentes para conhecer o hotel de 70 mil m2, com 258 quartos e 84 apartamentos residenciais, que foi construído de frente para a Marginal Pinheiros – o que causou controvérsia para uma hospedagem cinco estrelas. Para minimizar os efeitos da poluição sonora, todos os vidros instalados são antirruído. A bandeira canadense de luxo, que está presente em 41 países com 111 unidades e tem entre seus investidores Bill Gates, cofundador da Microsoft, abriu sua quarta filial na América do Sul. Mas essa foi a primeira no Brasil. A chegada do Four Seasons em São Paulo também marca o début de um dos grupos mais tradicionais do País na região Sudeste.

Com um investimento total de R$ 700 milhões, o principal responsável por trazer a operação para o País é o empresário pernambucano Cornélio Brennand, em sociedade com o fundo de investimento Abu Dhabi Investment Authority (ADIA), dos Emirados Árabes Unidos. “Apesar de não ser perfil do Grupo, no setor imobiliário é quase uma obrigação o investimento ser associativo”, diz Brennand, que recebeu políticos como o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), e o deputado Heráclito Fortes (PSB-PI) e executivos como Luiz Carlos Trabuco Cappi, presidente do conselho de administração do Bradesco. “Entendemos que era necessário mostrar a nossa capacidade de executar projetos sofisticados e complexos para atrair parceiros dessa área de negócio” (leia a entrevista aqui).

A rede canadense era cobiçada pelo setor hoteleiro brasileiro há mais de duas décadas. Fundado em 1961, o Four Seasons reformulou o conceito de hospitalidade no mundo com a criação de serviços como secadores de cabelo e roupões nos quartos – por mais simples que possa parecer nos dias de hoje. Mimos como esse conquistaram hóspedes importantes, como os ex-presidentes dos Estados Unidos, George Bush e Barack Obama, e famosos da música como Madonna e The Rolling Stones. Questionada por Oprah Winfrey, nos anos 1990, sobre como gostava de dormir, a atriz americana Julia Roberts respondeu: “Em uma cama do Four Seasons”. “Fechamos a parceria com o Grupo Cornélio Brennand porque identificamos neles os mesmos valores de excelência e qualidade que nós exigimos”, disse Michael Schmid, presidente mundial de operações do Four Seasons. O executivo Luiz Roberto Horst, CEO da Iron House, a subsidiária do grupo brasileiro responsável pelos negócios imobiliários, complementa: “O hotel é uma grande vitrine para o Grupo”, que tem projetos grandes como o Reserva do Paiva, um bairro planejado em Recife. Para se hospedar no hotel, o valor da tarifa varia de R$ 1,3 mil a R$ 19 mil. Das 84 unidades residenciais, que medem entre 92 m2 e 212 m2, oito já foram vendidas – os compradores pagaram entre R$ 2 milhões e R$ 5 milhões. “Com o lançamento, teremos um salto nas aquisições”, diz Horst.

Responsável pela chegada da bandeira de luxo ao Brasil, o empresário Cornélio Brennand tem um perfil bastante reservado. Ele não costuma dar entrevistas e é avesso a fotografias. Com um patrimônio estimado em mais de R$ 3 bilhões, a família Brennand é a mais rica do Recife. Cornélio faz parte da terceira geração de um clã descendente de ingleses que veio para o País no fim do século 19 para participar da construção de ferrovias. Eles foram pioneiros na construção das primeiras usinas de cana de açúcar em Pernambuco. Com o fim do ciclo de ouro da commodity, Ricardo Lacerda de Almeida Brennand, avô de Cornélio, decidiu mudar o rumo dos negócios da família investindo em cerâmica. Ricardo se juntou ao irmão Antônio Luiz e, juntos, os Brennand abriram, em 1917, a Cerâmica São João, em Recife. Apesar de o açúcar ter dado a energia necessária para a família prosperar, foi assentando telha por telha que Cornélio ergueu o grupo que leva o seu nome. O conglomerado é uma das maiores empresas familiares do Nordeste, com faturamento anual de R$ 700 milhões e quatro frentes de negócio: energia, vidro, desenvolvimento imobiliário e cimento. “O nosso conceito sempre foi atuar em mais de um setor como forma de mitigar o risco”, diz ele. “A nova economia obriga as empresas a analisarem negócios que sejam diferente daquilo que dizemos ser de “cal e pedra”.

Nos próximos cinco anos, o empresário projeta um aporte de R$ 1,7 bilhão em todos os seus negócios. A abertura do Four Seasons em São Paulo marca sua entrada no Sudeste que, ao lado do Centro-Oeste, é a região prioritária para novos investimentos. A fábrica de vidros planos Vivix, por exemplo, terá uma segunda unidade na região Sul do País. Com capacidade de produção de 900 toneladas por dia em Goiana, cidade de Pernambuco, a empresa já é a maior fábrica de vidros do País. Em 2014, quando foi lançada, exigiu um investimento de R$ 1 bilhão e foi um dos projetos mais desafiadores liderados pelo empresário. “Ter acesso a essa tecnologia foi realmente muito difícil”, diz Brennand.

Mas a principal aposta do bilionário é no setor de energia elétrica, principalmente no desenvolvimento de projetos limpos e sustentáveis. Embora tivesse tradição na indústria, Cornélio sempre se interessou por entrar no setor de serviços. A oportunidade surgiu em 2004, quando o grupo se associou à Koblitz Energia e criou a Atiaia Energia. Desde então, a empresa, que tem a holding de Brennand como acionista majoritária, criou seis pequenas hidrelétricas – cinco estão no Centro Oeste, nos Estados do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul, e uma no Nordeste, em Pernambuco. Elas operam com uma capacidade instalada de 200 Megawatts (MW) de potência – a geração de energia elétrica anual é de quase 1 milhão de MWh, suficiente para abastecer uma cidade com 600 mil habitantes. “A energia é diferente de tudo o que já fizemos”, diz Cornélio. “Temos grandes planos de crescimento na área de geração de energia.”

Diversificação: rota dos Coqueiros que dá acesso à Reserva do Paiva (PE), um dos principais empreendimentos imobiliários do grupo (à esq.), e a usina hidrelétrica Porto das Pedras, no Mato Grosso do Sul

No ano passado o grupo investiu R$ 375 milhões em duas novas hidrelétricas, no Mato Grosso do Sul, que devem entrar em operação no segundo semestre de 2019. Os dois empreendimentos devem produzir uma capacidade de mais 200 MW. Outros oito projetos de hidrelétricas estão em estágio de desenvolvimento. A geração de energia eólica e solar aparece como os próximos passos para a Atiaia. O Grupo planeja a construção de três parques eólicos, no Rio Grande do Norte e no Ceará, que também podem gerar até 280 MW. A instalação de parques solares e híbridos também está nos planos, mas ainda estão em fase de estudos. Para concretizar esses projetos de energia, a estimava é de um investimento de cerca de R$ 3,8 bilhões nos próximos dez anos. “A expectativa é ter um portfólio de 500 MW a 600 MW com hidrelétrica, solar e eólica”, afirma Cornélio.

Entre as três frentes do grupo, a cimenteira é a menos promissora. A Cimento Bravo, resultado da união do Grupo Cornélio Brennand com a Queiroz Galvão, começou a operar em 2014 em São Luis, no Maranhão, com uma capacidade instalada de 500 mil toneladas ao ano. No entanto, o setor, que viveu um período de exuberância no Brasil de 2004 a 2014, entrou em crise a partir de 2015 “São quatro anos de queda de receita”, diz Paulo Camillo Penna, presidente do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (SNIC). “Havia expectativa de crescimento de 2% neste ano, mas agora projetamos queda de 2%.” Isso fez com que Brennand decidisse interromper a produção da fábrica. “Estamos com esse empreendimento congelado aguardando um novo ciclo de crescimento da economia brasileira”, diz ele.

Transparência nos negócios: a Vivix, fábrica vidros planos, se tornou a maior empresa do segmento no País em menos de quatro anos de operação

A cimenteira marca o reencontro dos Brennand com o setor. Em 1999, eles decidiram vender as três fábricas para a Cimentos de Portugal (Cimpor). A família detinha 5% de participação de mercado, mas a chegada das multinacionais era vista como um entrave para a continuidade no setor. Foi quando o grupo recebeu a proposta de US$ 590 milhões. Mas a transação causou desavenças entre os primos Cornélio e Ricardo, que discordavam sobre como dividir o recurso. A solução veio em 2002, quando Cornélio comprou a participação de Ricardo e foram criados dois grupos Brennand.

A desavença faz com que os Brennand queiram tapar com cimento a briga familiar. Os encontros entre Cornélio e seu primo Ricardo são reduzidos a eventos sociais familiares, como casamentos. Embora ambos possuam empreendimentos nos mesmos ramos, eles seguiram caminhos diferentes. Ricardo passou a se dedicar às artes, seguindo o mesmo caminho de Francisco Brennand, seu outro primo. Ambos são importantes figuras no cenário das artes no Nordeste. Um pelo Instituto Ricardo Brennand, complexo de palácios com um acervo de artes e itens históricos, e outro pela Cerâmica Francisco Brennand, um museu de arte brasileira. Cornélio preferiu se dedicar à arte de fazer negócio, algo que tem buscado passar para os filhos, a quarta geração da família. Eles têm frequentado importantes escolas, como a Universidade Harvard. “O objetivo é dar uma base segura para uma transição”, diz Cornélio. “Mas só o tempo vai dizer se isso dará certo.”

Colaborou: Carlos Eduardo Valim