A indústria da construção civil no Brasil deve crescer 5% em 2021, apesar da falta de insumos e da alta de 30,2% do Índice Nacional de Custo da Construção (INCC) nos 12 meses encerrados em setembro, de acordo com a projeção divulgada pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC). Parte considerável dessa performance vem da tração provocada pela Saint-Gobain, que prevê incremento de 40% na receita deste ano, para R$ 12,1 bilhões. Detentora da rede varejista Telhanorte e das marcas Brasilit e Quartzolit, a gigante francesa investirá 100 milhões de euros no Brasil, com foco em novas fábricas e inovação. A estratégia de crescimento prevê ainda aquisições com recursos fora desse pacote. “O ano de 2021 está sendo excepcional para a Saint-Gobain no Brasil e na América Latina”, afirmou à DINHEIRO Javier Gimeno, que responde pela presidência do grupo na região desde 1º de julho. “Vamos gerar os melhores resultados da nossa história.”

Não se trata de empolgação, apenas. Trata-se de resultado efetivo. Além do aumento significativo no faturamento na comparação com o do ano passado, a Saint-Gobain celebra alta de 8% em relação a 2019, período pré-crise sanitária. “Esse crescimento é rentável, porque temos sido capazes de melhorar de forma muito significativa a nossa margem”, disse o executivo espanhol. O mercado brasileiro é o quarto mais importante da companhia no mundo, responsável por dois terços das vendas na América Latina, que responde por mais de 10% dos negócios globais da Saint-Gobain. “Nossa meta é dobrar a nossa presença na região nos próximos cinco anos.”

O crescimento acentuado, e rápido, é justificado por três elementos: aumento dos volumes, dos preços e a aposta em inovação. Gimeno diz que o aumento dos volumes foi mais importante na primeira parte do ano, e que a empresa ainda otimizou a linha de custos para manter uma política responsável. “E o último elemento foi a inovação. Nossa capacidade de lançar produtos também fez a diferença.” Os três eixos, em sua visão, foram reflexo de uma mudança no perfil do consumidor com o surgimento de uma nova demanda na pandemia, mais sofisticada e orientada para produtos com maior performance em termos de bem-estar, saúde, conforto e sustentabilidade. “O mercado da construção ficou muito dinâmico.”

O enredo é o de sempre. As pessoas passaram mais tempo nas suas casas e decidiram investir nelas, renovar. “Muitas foram construídas tempos atrás, com características de conforto e de sustentabilidade que não correspondiam com as novas necessidades da classe média brasileira”, afirmou. Além disso, existe também um novo dinamismo do setor não residencial. “As pessoas estão voltando para os seus escritórios, fazendo investimentos para deixá-los mais confortáveis e em conformidade com os critérios de sustentabilidade.” Para Gimeno, esse novo cenário é de natureza estrutural e vai trazer uma boa taxa de crescimento em 2022.

INFLAÇÃO Nem mesmo a perspectiva de alta de apenas 1% do PIB brasileiro no ano que vem parece tirar o ânimo da Saint-Gobain, que aposta em crescimento forte em volume e em valor, “porque os produtos pedidos agora no mercado da construção são mais sofisticados do que antes”. A multinacional, no entanto, vive uma situação paradoxal. Ao mesmo temo em que apresenta “resultados excepcionais”, visualiza dificuldades no caminho. Uma das principais, segundo o presidente, é a inflação, que afeta não apenas o Brasil, mas outras economias pelo mundo. “Precisamos tirar o melhor de nossas equipes para fazer frente às dificuldades nos próximos nove a 12 meses”, disse. Uma das estratégias tem sido reduzir despesas por meio de eficiência nos processos. As equipes de produção buscam a cada ano diminuir os custos em até 5%. “Agora estão brigando ainda mais, porque a inflação externa é muito alta”, afirmou o presidente. Porém, a preocupação maior, de acordo com Gimeno, é atrair talentos que permitam à Saint-Gobain gerenciar os pequenos e os grandes projetos de crescimento acelerado.

Uma das estratégias para o crescimento é a expansão das linhas produtivas, como irá ocorrer na unidade de telhas de fibrocimento em Recife. A empresa planeja também a construção de uma planta para fabricação do material em Abadiânia (GO); de uma terceira linha de produção de placas de gesso, em Mogi das Cruzes (SP); e de um site para a fabricação de argamassas. As plantas vão se juntar a 56 fábricas, três mineradoras, um centro de pesquisa e desenvolvimento, além de 49 centros de distribuição da Saint-Gobain pelo País. São investimentos lançados em 2021 e que estarão operacionais a partir do final de 2022 ou princípio de 2023. Já nos planos de aquisição estão empresas ligadas à construção, ao segmento automotivo e à saúde.

MERCADO O aporte na linha produtiva está em linha com projeções do mercado. Números divulgados pela Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat) em relação ao período entre janeiro e outubro mostram que houve crescimento de 12,8%, porcentual que chega a 13,3% no acumulado dos últimos 12 meses (móvel), apesar da queda de 0,3% em relação a setembro, a quarta redução mensal consecutiva. A redução da atividade já era esperada, segundo Rodrigo Navarro, presidente da Abramat. Para ele, está ocorrendo um reequilíbrio no setor. “Tivemos uma retomada significativa e importante no primeiro semestre deste ano. É natural que o setor se ajuste”, afirmou. Ele mantém a projeção de 8% de crescimento em 2021, mas chama a atenção para muitas externalidades envolvidas, como câmbio, alta do preço e disponibilidade de insumos, além de aumento no custo de fretes e energia. É nesse cenário paradoxalmente inspirador e desafiador que a Saint-Gobain alicerçou sua estratégia para o Brasil.