Carbonizados durante a erupção do Vesúvio, papiros romanos guardam seus segredos há quase 2.000 anos. Agora, cientistas estão tentando decifrar esses documentos “frágeis como asas de borboleta”, usando um acelerador de partículas.

Preservados no Institut de France, em Paris, os papiros do sítio arqueológico de Herculano, perto de Nápoles, viajaram ao centro da Inglaterra para serem desvendados virtualmente.

“A ideia que fazemos de um pergaminho é que podemos simplesmente desenrolá-lo e lê-lo, mas esses papiros não podem ser desenrolados, porque a carbonização os tornou extremamente frágeis”, explica à AFP o professor Brent Seales, que trabalha há cerca de 20 anos desenvolvendo técnicas não invasivas de decodificação.

Sua ferramenta: um síncrotron, um anel de 500 metros de circunferência onde elétrons giram em velocidade muito alta e emitem uma espécie de raio X muito poderoso que permite atravessar o material. Chamado Diamond Light Source, produz uma luz dez bilhões de vezes mais brilhante do que o Sol e funciona como um microscópio gigante, cujos dados são descriptografados por computador, usando inteligência artificial.

– “Vila dos papiros” –

Os rolos de pergaminhos foram descobertos entre 1752 e 1754 durante escavações no sítio de Herculano. Ao contrário de Pompeia, devastada pela lava durante a erupção do Vesúvio em 79 d.C., Herculano foi atingido por uma nuvem ardente que cobriu a cidade de cinzas.

Sob essa espessa camada, as casas estavam intactas. Uma delas, a “Vila dos papiros”, abrigava uma importante biblioteca com mais de 1.800 rolos de textos, preservados pelas cinzas, mas carbonizados, impossíveis de desenrolar.

Em 1802, seis desses rolos foram doados pelo rei de Nápoles a Napoleão Bonaparte, que os confiou à biblioteca do Institut de France, com a missão de lê-los. Mas o material é ultrafriável, e os dois primeiros testes, em 1817 e depois em 1877, fracassam.

Os rolos foram reenviados para Nápoles, onde, em 1986, um método de desenrolamento químico permitiu destacar um, em várias centenas de pequenos fragmentos, “muito difícil de ler” devido à natureza da tinta, conta Yoann Brault, engenheiro de pesquisa da biblioteca do Institut.

No síncrotron inglês, os raios são enviados sobre amostras e devem permitir criar uma imagem de alta resolução em três dimensões “sem ter que destruir, abrir, ou manipular” os pergaminhos, explicou o professor, também diretor da iniciativa de restauração digital na Universidade de Kentucky.

“O processo de reconstrução, altamente informatizado, nos dá a informação do que havia dentro”, continuou ele.

Transportar as amostras de Paris até a Inglaterra representava “alguns riscos”, reconheceu Francoise Berard, diretora da biblioteca do Institut. “Mas, obviamente, queríamos ajudar na descoberta do conteúdo”, acrescentou, garantindo que sejam tomadas “precauções máximas” para esses papiros “frágeis como asas de borboleta”.

– Textos epicuristas –

Antes do professor Seales, outros cientistas já usaram técnicas não invasivas para decifrar esses documentos.

Em 2014, na França, um pesquisador do CNRS, Daniel Delattre, já havia conseguido desvendar o conteúdo desses papiros, recorrendo a uma nova técnica para decifrar os textos sem desenrolá-los – a tomografia por raios X com contraste de fase.

Conseguiu, assim, reconhecer algumas letras gregas, da pluma de um filósofo epicurista, Filodemo de Gadara.

“Isso confirmou que esses pergaminhos contêm principalmente escritos gregos, em uma pessoa (Pison, sogro de Júlio César) interessada na filosofia epicurista”, analisa Michel Zink, secretário perpétuo da Academia de Inscrições e Belas Cartas.

“Diferentemente da filosofia estoica, cujos textos, julgados compatíveis com o cristianismo, foram copiados na Idade Média, o epicurismo não tinha cheiro de santidade, e seus textos raramente eram preservados”, disse esse medievalista.

“É por isso que esses rolos são tão importantes”, conclui o historiador, segundo quem “podemos esperar ter sucesso na leitura de frases inteiras e, talvez, um dia, de um texto inteiro”.