Uma das principais fontes de conflitos entre paulistas e cariocas nas últimas décadas tem sido a definição do nome de um alimento básico na mesa dos brasileiros. Em São Paulo, ele se chama bolacha. No Rio de Janeiro, biscoito. O embate etimológico, no entanto, ficou em segundo plano na semana passada, depois que a cearense M. Dias Branco, maior fabricante de alimentos industrializados do Brasil – com faturamento de R$ 4 bilhões no acumulado de janeiro a setembro do ano passado –, anunciou a compra de 100% da fabricante carioca de biscoitos Piraquê, por R$ 1,55 bilhão. “Biscoito é doce, bolacha é salgada”, garante Geraldo Luciano Mattos Júnior, vice-presidente de investimentos e controladoria da M. Dias Branco. “Seja qual for o nome, queremos liderar no mercado do Sudeste, onde ainda temos uma participação muito modesta.”

Com mais de R$ 4 bilhões de faturamento no ano passado, a M. Dias Branco, dona de marcas como Adria, de macarrão, e Zabet, de bolachas, se consolida na liderança de seus segmentos (Crédito:Divulgação e Andre Lessa/Istoe)

Polêmicas à parte, de fato a Piraquê foi tratada pela M. Dias Branco como uma espécie de última bolacha do pacote nessa estratégia de dominar a região mais rica do País. Isso porque a empresa carioca já vinha sendo cortejada por outra gigante do setor, a também cearense J.Macêdo, dona de marcas como Dona Benta, Sol, Petybon e Brandini. Além disso, o forte processo de consolidação que tomou conta do setor, nos últimos anos, reduziu as opções de compra nos mercados regionais e aumentou a pressão para que a Piraquê fosse incorporada. Em 2011, a Pepsico pagou R$ 800 milhões pela Mabel, com sede em Goiás e forte presença no Centro-Oeste e Norte. Já no final 2016, a americana Kellogg desembolsou R$ 1,4 bilhão pela catarinense Parati, líder na região Sul. “Assim como em outros setores, a consolidação promovida por multinacionais foi esgotando, ano após ano, as alternativas para os grupos brasileiros”, disse o consultor Rogério Duarte, especialista em varejo de alimentos pela Fundação Getulio Vargas, em São Paulo. “Com a compra da Piraquê, a M. Dias Branco turbina seus negócios da noite para o dia, algo que seria impossível se trouxesse ao Sudeste uma marca desconhecida.”

Geraldo Mattos Júnior, vice-presidente na M. Dias Branco: “Queremos liderar no mercado do Sudeste,
onde ainda temos uma participação muito modesta” (Crédito:Beto Figueiroa / Aurora)

Embora tenha 70% de suas receitas estejam concentradas no Nordeste, a M. Dias Branco não é uma figura desconhecida no Sudeste. A empresa, com 12 fábricas no Ceará, é dona de marcas de alimentos como Adria, Basilar, Zabet, Estrela e Isabela. Já a Piraquê, fundada no Rio de Janeiro em 1950, se tornou famosa por suas bolachas – ou biscoitos – de água de sal com gergelim, goiabinhas e salgadinhos. A empresa registrou receita de R$ 717 milhões entre outubro de 2016 e setembro de 2017, último balanço consolidado. “Assim que obtivermos a aprovação do Cade, vamos promover uma transição tranquila e suave, aproveitando a expertise dos executivos que lá estão e os pontos fortes da marca”, disse Mattos Júnior. As negociações de compra da Piraquê foram conduzidas pessoalmente pelo empresário Ivens Dias Branco Júnior, herdeiro da sexta maior fortuna do País, estimada em R$ 13,2 bilhões. Seu pai, Francisco Ivens de Sá Dias Branco, morreu em junho de 2016. Nenhum representante da família quis conceder entrevista.

Pelos cálculos da consultoria Euromonitor, a M. Dias Branco lidera o mercado brasileiro de massas secas, como macarrão, com fatia de 24,2%. A Piraquê ocupa a sexta colocação no ranking do segmento, com participação de 4,2%. Na categoria aperitivos, a M. Dias está em segundo lugar, com 10,3%, enquanto a Piraquê está na décima posição, com 1,8% das vendas. Em biscoitos doces, a empresa cearense também lidera, com participação de 16,3%, contra 3,1% da Piraquê, na oitava posição no ranking. “A M. Dias Branco estava procurando ativos na região Sudeste há pelo menos dois anos, de olho em marcas importantes, como Bauducco, Marilan e Vilma Alimentos”, disse Gabriel Vaz, analista de bebidas e alimentos do Bradesco BBI.

Essa procura, porém, pode não ter chegado ao fim. Segundo o vice-presidente Mattos Júnior, a M. Dias Branco continuará garimpando oportunidades de compra no Sudeste. “Buscar boas aquisições no mercado faz parte do nosso negócio e será um dos caminhos de nosso crescimento nos próximos anos”, afirmou o executivo. Enquanto não compra outro concorrente, a M. Dias Branco seguirá aprendendo a vender bolacha para os paulistas e biscoitos para os cariocas.