O acordo alcançado pela União Europeia (UE) sobre um plano de recuperação, pela primeira vez com base na dívida comum, é uma virada histórica, mas modesta demais em alguns aspectos, segundo analistas.

Todos consideram que, há apenas alguns meses, esse compromisso parecia um tanto inimaginável: foi necessária a chegada da COVID-19 na Europa para que as linhas vermelhas fossem redesenhadas.

Berlim ficou do lado de Paris e aceitou que os fundos fossem emprestados em larga escala em nome da Europa, quebrando assim um tabu em um país que sempre se opôs à idEia de uma dívida comum.

“Isso abre as portas para um mecanismo que permitirá que a Europa permaneça na história”, disse Anne-Laure Delatte, conselheira do centro de estudos do Cepii.

Diante da recessão sem precedentes que ameaça o continente, os líderes da UE reagiram rapidamente.

“O risco de não chegar a um acordo era muito alto. Teria enviado uma mensagem muito negativa, política e economicamente, de que a UE não é capaz de responder a um desafio comum”, disse Marta Pilati, do Centro de Política Europeia (EPC).

Para Enrico Letta, ex-chefe do governo italiano e presidente do Instituto Delors, “este é um passo importante, que mostra que o direito de veto não existe mais. E que Thatcher é história”.

No entanto, os especialistas destacam pelo menos cinco imperfeições.

Para começar, o valor dos subsídios oferecidos – sem a necessidade de reembolso – aos países mais afetados pelo coronavírus, como Itália e Espanha.

Antes da cúpula, esperava-se que o plano de recuperação de 750 bilhões de euros consistisse em 500 bilhões de euros em doações e 250 bilhões de euros em empréstimos.

Diante da oposição dos quatro países chamados “frugais” (Holanda, Áustria, Dinamarca e Suécia, com adesão posterior da Finlândia, o volume de subsídios caiu para 390 bilhões.

“Pena que negociamos uma redução de doações sobre empréstimos”, acrescentou Delatte.

– “Impreciso demais” –

Além disso, há o controle sobre como os destinatários gastarão esses fundos.

Para evitar as reticências dos frugais, foi elaborado um sistema que permite que um ou mais Estados-membros, que consideram que os objetivos estabelecidos nos programas de reforma não tenham sido alcançados, solicitem estudar o dossiê em uma cúpula europeia.

“É bastante complexo”, disse Pilati, que teme que esses exames levem muito tempo. “Isso nos tornará ainda mais dependentes da sintonia com as eleições nacionais”, acrescenta Delatte.

Líderes como o holandês Mark Rutte, que enfrentará difíceis eleições legislativas no próximo ano, podem ser particularmente duros.

Há ainda um terceiro ponto: o vínculo entre o respeito ao Estado de direito pelos países-membros e a amortização de fundos europeus.

Budapeste e Varsóvia, na mira de Bruxelas nesse aspecto, se posicionaram contra esse ponto.

O mecanismo ainda é “impreciso demais” para ser um impedimento, disse Philippe Lamberts, um dos líderes dos Verdes no Parlamento Europeu.

Em quarto lugar, para especialistas, está o fato de a UE ter perdido a oportunidade de modernizar a maneira como os fundos europeus são usados.

Programas de inovação, economia digital, meio ambiente estão em discussão, enquanto há cortes na política agrícola, no programa universitário “Erasmus” e até mesmo em pesquisa e outros setores.

Por fim, diante da resistência dos “frugais”, que consideram desproporcionais suas contribuições líquidas para o orçamento da UE, os líderes já concordaram em dar “descontos” a eles.

“De repente, outros países terão que colocar mais a mão no bolsos”, diz Pilati.